sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

O ano na prateleira

Chega o fim do ano, e vem aquela vontade irresistível de fazer um balanço geral dos acontecimentos. Catalogar o ano, alocá-lo adequadamente na prateleira dos já vividos.

Dizem que o tempo passa mais depressa depois que a gente vai ficando mais velha. Eu concordo plenamente, e a razão é óbvia: quando temos 5 anos de idade, a prateleira dos anos vividos só tem 5 livros, mas enormes e cheios de informação. Cada um que se adicione é um mundo inteiro de novidades, é um quinto de TUDO o que já se viveu. A proporção é esmagadora. Aí a vida vai passando, e de um quinto, cada ano passa a valer um vinte-e-quatro-avos de tudo. O ano enorme, um livrão, praticamente uma enciclopédia, passa a livrinho fino, resenha futebolística, catálogo da Unimed.

(Imagino que o último ano da vida de alguém que morre bem velhinho seja praticamente da espessura de uma única folha acrescentada à prateleira.)

Então, é o ano de 2008 que agora acrescento aos anteriores. Devo dizer que 2007 foi um título de péssimo gosto, fracassso de venda e de crítica, diferente dos excepcionais 2001 e 2002, que sempre podem ser revistos para levantar o astral.

2008 não chega a ser magistral, e sem dúvida não é uma obra-prima. Mas foi um ano honesto, cativante, com bastante ação (novamente, em oposição ao estagnado 2007), e pleno de amadurecimento. Fechou algumas pontas soltas deixadas por 2007 - um relacionamento fracassado, hábitos de vida ruins, excesso de peso, indecisões, mau humor, brigas constantes - e abriu perspectivas interessantes, trazendo luz e cor inteiramente novas.

Trouxe novos hábitos - corrida, alimentação saudável, estudo; novo ânimo - bom humor, disposição, relacionamento melhor com a família; um novo amor - com tudo aquilo que já foi dito por aqui, um amor que encheu a vida de alegria e o coração de paz. Não foi um ano de grandes vitórias, não foi um ano cheio de atividade social, mas foi um momento de aprender a construir e a ter paciência. Aprender a ouvir o corpo e o coração, com calma.

Que venha 2009. Que traga mais vida, e com a vida, mais tropeços, mais enganos, mais conquistas, mais alegrias, mais dor, mais medo, mais amor, mais felicidade. Que seja mais um livro na minha prateleira, para que, no fim da vida, eu possa contemplar a obra que escrevi e vivi.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Para Francisco

Ontem fui com a Taissa ao lançamento de "Para Francisco" - o livro inspirado no blog de mesmo nome. Sempre pensei em colocar o Para Francisco no meu blogroll aqui do lado, mas quando lia o título que dei à seção - Maluquices Diversas - acabava chegando à conclusão de que não era bem isso, porque não se trata de mais uma maluquice, mas de uma história de amor. Uma história de gente que ama e sofre, e continua amando ainda mais.

O blog traz a história da Cris Pequena, do Gui, e do (Fran)Cisco. Cris e Gui se amavam, e amavam também aquele cisco de gente que se preparava dentro dela para vir ao mundo. Mas, um dia, o Gui foi embora desse mundo para sempre, para nunca mais, e deixou aqui os dois, Cris e Cisco, meio perdidos. E ela, para poder viver com essa dor, e para poder apresentar ao Francisco o pai que ele não veria, começou a escrever.

Com uma história assim, seria fácil cair na pieguice ou na melancolia, mas não tem nada disso. Os textos são lindos, delicados, cheios de dor, de amor, e de alegria. Alegria pelo que passou e pelo que vem acontecendo. Uma vontade de viver e de amar que chega a assustar a gente que vive meio sem pensar.

A princípio, seria uma história difícil de se identificar. Eu, por exemplo, não tenho filhos, nunca perdi para sempre alguém que amasse muito (além do Gui, a Cris já tinha perdido o pai, a mãe, e avó querida), não senti na pele essa dor. Mas não precisa de nada disso. Basta ser gente, e amar, para se emocionar com o que está escrito ali.

Conheci a Cris ao vivo ontem, e ela é tão linda e delicada quanto o que escreve. Uma fila enooooorme, e ela, lá no final, assinando cada livro, sorrindo, batendo papo, abraçando.

Comecei a ler o livro assim que cheguei em casa, e mesmo já conhecendo boa parte dos textos do blog, chorei de novo como se fosse a primeira vez. Para quem ainda não conhece, o livro é uma boa forma de entrar em contato com essa história, e depois mergulhar no blog, que ela continua escrevendo, sempre com posts lindos.

domingo, 16 de novembro de 2008

Trânsito

Quem me conhece pessoalmente sabe o quanto eu sofro com o trânsito. Não que eu seja ruim de roda - não sou, embora seja bem "pé pesado" -, mas uma série de coisas me incomoda:

1) Aqui em BH, parece que existe uma campanha não-declarada chamada "Seta Zero". O carro da frente anda feito uma lesma, você se prepara para ultrapassar, e de repente, não mais que de repente, ele converge à esquerda, mal dando tempo para você pisar no freio. Quando se é pedestre, é pior ainda, porque você nunca sabe exatamente o que o carro na via transversal vai fazer. Chega a ser um cara-ou-coroa, você sempre tem 50% de chances de ser atropelada se atravessar naquele momento. Para os belorizontinos, seta é um opcional que, se pudessem, eles não escolheriam no momento da compra do carro.

2) Gente lerda na pista da esquerda. Isso era um problema carioca clássico, mas virou também um problema beaguense. Não tenho nada contra lerdos, mas que eles permaneçam na linda pista da direita, que é especialmente reservada para eles. A pista da esquerda é de quem quer andar. Isso, é claro, não vale para a Inglaterra e alguns outros países, mas realmente não conheço muitos imigrantes londrinos por aqui. Aliás, isso acaba gerando o hábito de ultrapassar pela direita, e a pista da direita, em geral, é a mais vazia, e a que mais anda. Só falta colocarmos agora um aviso de "Look Right" nas travessias de pedestre, e já dá pra implementar a mão inglesa.

3) Estacionamento em fila dupla. Mais ainda em avenidas movimentadas, ou ruas que ligam essas avenidas. Existem algumas ruas que eu já apelidei de trechos de rally. São três pistas, mas em geral só uma está disponível para o trânsito normal, porque nas outras duas há carros com o pisca-alerta ligado, em fila dupla. Pisca-alerta é uma maravilha, faz o carro ficar invisível, insípido, inodoro e imune às regras de trânsito.

4) Carros andando em duas pistas. É a famosa "síndrome de Autorama". O pessoal cresceu brincando de Autorama, e aprendeu que o carrinho tem que andar em cima da linha, não entre as duas linhas. Haja auto-escola para desaprender lições tão precoces. Outra opção é que eles talvez estejam pagando alíquota dobrada do IPVA, o que dá a eles o direito de ocupar o espaço de dois carros. Curiosamente, em geral estão dirigindo devagarinho, de forma a deixar o motorista logo atrás muito feliz por não poder ultrapassá-los.

5) Falar ao celular no trânsito. Sou obrigada a fazer um "mea culpa", aqui, e admitir que de vez em quando faço isso. Mas agora tenho um super equipamento de viva-voz instalado no carro, o que me redime. Além de ser super perigoso tentar dirigir com a cabeça inclinada para o lado, equilibrando o telefone com o ombro (e péssimo para a postura!), ou com uma mão segurando o bichinho, é também terrivelmente irritante. As pessoas falando no celular são as que mais costumam praticar todas as outras coisas irritantes anteriormente mencionadas - afinal, como dar seta com uma mão no volante E no câmbio, e outra segurando o celular?

6) Motoqueiros. Digam o que quiserem, que eles são essenciais à vida moderna, que estão só trabalhando, mas eu ODEIO motoqueiros. Eles saem costurando entre os carros, entram na sua frente, e, quando o sinal abre, estão tão ocupados olhando alguma coisa na moto, ou uma mocinha bonita passando na calçada, que não arrancam. E tente buzinar para ver, ele começa a andar lentamente, no meio da pista. Isso quando não praticamente arrancam o retrovisor do carro, arranham a pintura, fazem super cortadas pela direita e ainda reclamam se você tinha a inocente idéia de fazer uma conversão (e tinha até dado seta!). Depois, um deles cai, e a culpa é do carro. E ainda querem indenização pelos dias parados. Que me perdoem os (eventuais, raros, e, para mim, desconhecidos) bons motoqueiros por aí, mas a média da raça é lastimável.

É claro que essas são só as coisas mais irritantes. Além delas, tem o pessoal que não arranca quando o sinal abre, a turma que quase estaciona o carro para fazer uma conversão (ou que invade a outra pista, num claro sintoma de "síndrome de Scania", muito comum em carros Fiat Uno e Ford Ka), a galerinha indecisa que dá seta para um lado e vai para o outro, os insuportáveis que grudam na sua bunda quando você dá seta e sinaliza que vai fazer uma baliza (rima involuntária), os "mano" que têm um som automotivo que vale mais que o carro e dirigem escutando funk no último volume, os pedestres que esperam o sinal ficar verde para atravessar...

No fundo, o que me irrita no trânsito é o que me irrita com os vizinhos: o incômodo gerado pela convivência forçada, por essa dependência em relação à boa-educação alheia, que em geral é falha. E nem adianta pegar ônibus, a coisa fica pior ainda. O melhor é respirar fundo, colocar uma musiquinha agradável, fazer lições de meditação zen, e assimilar que a tendência é que o buraco fique cada vez mais fundo. Como diria a Marta, tem que relaxar e gozar - será que com um insufilme mais escuro tem jeito?

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Ética

Nos últimos tempos, de várias formas, me vi pressionada a pensar sobre a ética - o que ela significa, e como aplicá-la no cotidiano. Um episódio pessoal na vida do Nando, um belo texto da Babi, e eis-me aqui escrevendo sobre o tema.

Adoto aqui ética e moral como sinônimos, embora saiba que, conceitualmente, existem diferenças - a grosso modo, a moral seria o conjunto de normas de conduta aplicáveis em determinadas circunstâncias geográficas e históricas, enquanto a ética seria o aspecto científico, o estudo dessas normas de conduta.

Para Aristóteles, no seu Ética a Nicômaco, a ética é entendida como a busca da felicidade - não a felicidade hedonista dos tempos atuais, mas a eudaimonia, a felicidade de se fazer o que é certo e o que é bom, conciliando os interesses do indivíduo com os interesses coletivos. Para ele, a excelência moral estaria em adotar, praticando atos que reiteradamente o revelem, o meio-termo entre as disposiçõs morais extremas: a coragem, entre a covardia e a temeridade; a moderação, entre a insensibilidade e a concupiscência, e assim em tudo o mais.

De fato, uma das características essenciais da moral é o seu aspecto social. Só existem normais morais porque convivemos, porque constituímos sociedades e precisamos de regras que nos permitam viver bem.E é difícil pensar nesse "bem" como sendo algo muito distante do que Aristóteles defendia.

Vivemos numa circunstância histórica (século XXI d.C.) e geográfica (República Federativa do Brasil, Estado soberano da América do Sul) em que as normas morais parecem ter diminuído de valor. Ou, ainda, parecem ter-se relativizado. Pode-se dizer que a moral seja, sim, relativa, se pensarmos que ela se altera de acordo com as circunstâncias. Mas, mantidas as tais circunstâncias, e devidamente delimitadas, a relativização dos valores passa a ser perigosa.

Quando o declínio dos valores se passa num plano amplo, parece óbvio a todos que se trata de algo "errado" ou "ruim". É errado que um político desvie dinheiro público, é errado que um bandido seja solto por conveniências particulares dos poderosos, é errado que os projetos pessoais de poder se assenhorem daquilo que é, por natureza, de todos, é errado que o marido traia a mulher, é errado que a filha mate os pais, ou que os pais matem os filhos. Tudo isso é preto no branco, sem nuances de cinza, a princípio.

Mas é no cotidiano que se percebe o risco maior. É na forma como as relações se deterioram no plano mais restrito, na esfera da intimidade, que percebemos o prejuízo que a perda dos valores éticos traz para cada um. É a pessoa que fura uma longa fila, é o cafezinho do guarda, é o "jeitinho" que se dá num órgão público para obter mais rapidamente determinados benefícios, é o troco recebido a mais e nunca devolvido, é o som alto madrugada adentro, são os pequenos desrespeitos nossos de cada dia.

O que se reflete aí, sempre, é a prevalência do interesse privado sobre o coletivo. É o tempo do "eu". A ética vigente é a ética de Gerson, o clássico "gosto de levar vantagem", e que se reflete inclusive sobre as relações afetivas. Quantas pessoas não adotam, hoje, a postura do prazer desmesurado, sem a menor consideração pelo outro, por suas necessidades e sentimentos?

Se cada um prioriza apenas o que é seu, apenas seus interesses e suas pulsões, vamos retomando aos poucos a selvageria. Se é preciso defender com unhas e dentes o que é meu, acaba prevalecendo a lei do mais forte. Junte-se a isso um Estado fraco, que falha em impor suas normas jurídicas (não, não vou ficar aqui distinguindo a norma jurídica da norma moral), e uma cultura em que o mais esperto é visto como herói, e temos a anomia de que falava Durkheim. Se não temos normas morais pelas quais nos pautar, acabamos por viver à deriva.

É em grande parte por isso que as igrejas, com suas normas rígidas de conduta, venham angariando tantos adeptos. O fato é que sentimos falta de ter um norteamento claro de nossas ações. Acabam prevalecendo os valores familiares, mas sendo cada família um núcleo muito específico, a tendência é que esses valores sejam excessivamente discrepantes.

Tudo isso para dizer, apenas, que há momentos em que é preciso nos agarrar aos nossos valores mais firmes, às nossas convicções mais profundas, para evitar perder o sentido de tudo. Algo precisa resistir ao caos, e se não há uma moral heterônoma, é preciso que ela brote, autonomamente, do nosso próprio sentimento do mundo. Quando releio Aristóteles, percebo que aquilo que ele dizia, quatro séculos antes de Cristo, ainda hoje pode ser considerado uma conduta ética. Talvez a moral não seja tão relativa quanto alguns gostariam que fosse.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Rapidinhas

E de volta à programação normal, depois do frio e tenebroso inverno sem posts...

- Finalmente assisti "De Olhos Bem Fechados", o canto do cisne do Stanley Kubrick, com o ex-casal Tom Cruise e Nicole Kidman. Não sei se foi influência do livro "Os Filmes que Vi com Freud" (que eu adoro!), mas fiquei achando aquilo tudo um belo delírio psicótico do protagonista. Sei lá, alucinação pós-baseado, no mínimo. Delírio persecutório, com direito a ritual secreto e fantasias eróticas. E a atuação da Nicole Kidman é forçada, pra dizer o mínimo. Se eu fosse o bonequinho do Globo:
- Mamãe foi para a Europa e voltou (cheia de presentes), depois de 12 dias. Nunca imaginei que mãe fizesse tanta falta, mesmo depois que a gente vira adulta. Amei as coisinhas que ela trouxe, em especial as minhas encomendas da Lush, que não existe mais no Brasil. Gente, os cheiros daqueles produtos são simplesmente maravilhosos, não tem igual! E tudo cruelty-free, feito com produtos naturebíssimos. Eu sei, a Europa é longe, mas tem Lush no Chile, também...


- Fui assistir Aída no Palácio das Artes, dia 29. Visualmente, é lindo, o cenário é maravilhoso. A soprano que fez a protagonista também é um deslumbramento. A cena da Marcha Triunfal é de encher os olhos e os ouvidos. Já assisti outras óperas, adoro, sempre que tem alguma montagem interessante, procuro ir ver. Mas 4 horas seguidas assistindo uma ópera, das 20h à meia-noite, em plena quarta-feira, é cansativo demais. Ainda mais considerando que nem todos os solistas eram tão bons, e que algumas cenas (como a Consagração das Armas) são terrivelmente lentas. Enfim, bom, mas é preciso ir com a alma preparada....


- Cachorros tiveram tosse dos canis. Dá uma baita dó ver as bichinhas tossindo. Pegaram de uma cadelinha no agility, e admito que fiquei com muita raiva quando vi que tinham levado uma cadela doente para ficar no meio da cachorrada. Enfim, pelo menos as duas malucas estão medicadas, e passando bem.

E a vida segue. Vou tentar não ficar mais um mês sem posts...

domingo, 28 de setembro de 2008

Vizinhos


A vida em sociedade se enquadra na categoria "mal necessário". Somos uns bichos gregários, dependemos uns dos outros, e nos amontoamos para sobreviver. Nas cidades, isso fica ainda mais relevante: o amontoamento é literal, e vivemos empilhados em caixotes.

Tanta proximidade exacerba um dos aspectos problemáticos da convivência coletiva, que é justamente a presença do outro, com seus hábitos e valores diferentes dos nossos. Uma das regras para o bom convívio é justamente procurar respeitar o outro - não impondo nossos hábitos de forma ostensiva - e tolerá-lo, aceitando alguma dose eventual de incômodo.

O problema é que não é fácil administrar esse precário equilíbrio, principalmente porque, hoje em dia, as relações entre vizinhos deixam de ser pautadas por qualquer tipo de amizade. O vizinho passa a ser apenas aquela pessoa que mora ali do lado, sem que se busque mais nada em comum. É muito mais fácil ser tolerante com um amigo, do que com um estranho; é muito mais fácil se preocupar em respeitar um amigo, do que um estranho. O resultado é que os conflitos de vizinhança afloram cada vez mais.

Toda essa introdução, só para poder reclamar dos meus próprios vizinhos. Moro num prédio que tem 18 andares, com 3 apartamentos em cada andar. Meus vizinhos de andar são pessoas ótimas, nunca tivemos qualquer desavença. Aliás, em 10 anos morando aqui, nunca tínhamos tido qualquer espécie de problemas de vizinhança. Isso, até a chegada do casal do andar de cima.

O casal do andar de cima é um casal jovem, embora sejam mais velhos que eu, um pouco. Moravam numa casa em cidade do interior, e é a primeira vez que moram em apartamento. E são pessoas animadas, que têm uma turma de amigos aqui em BH.

Logo que eles se mudaram, era festa toda sexta-feira. Nas primeiras semanas, nós toleramos bem. Pensávamos que era só o entusiasmo da casa nova, o apartamento tem uma bela varanda, e eles queriam aproveitar. O chato é que o barulho da varanda deles vai direto para o meu quarto, e eles costumavam falar alto, e até tarde. Mas tolerávamos, tolerávamos. Quando passavam um pouco dos limites, ligávamos para o porteiro, esperando que eles se acostumassem logo com a nova rotina.

Só que não se acostumaram, e as semanas viraram meses. O barulho se arrastava, o som alto, a conversa barulhenta, madrugada adentro - e não mais apenas nas sextas-feiras, mas até mesmo durante a semana, eventualmente. As ligações do porteiro no interfone já não surtiam tanto efeito. A gota d'água veio numa noite em que, depois de já termos pedido para abaixar o volume à 1h da madrugada, fui acordada às 3h com a clássica canção pop-teen-anos 80 "Lua de Cristal" sendo berrada a plenos pulmões por um bando de bêbados.

Isso gerou uma reclamação formal no Livro de Reclamações do condomínio, e uma advertência do síndico. E paz para nós.

Ou, pelo menos, paz até a última sexta-feira, quando novamente fui acordada à 1:30h, mas agora por "Ilariê". Nova intervenção do porteiro (que já está com tanta raiva deles quanto nós), nova reclamação ao síndico. E, espero, mais alguns meses de paz.

Várias reflexões poderiam ser feitas, aqui. O individualismo exacerbado. A falta de preocupação com o sossego alheio. A ausência de parâmetro da parte de quem nunca morou em apartamento. O impacto de vivermos pisando na cabeça de alguém, literalmente, ao morarmos empilhados.

Mas não adianta, o que realmente me intriga é: por que diabos esse pessoal gosta tanto da Xuxa?

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Rotina

Chega um momento em que a rotina se instala. Comodamente, ocupa o sofá e coloca os pés sobre a mesinha de centro. Não é uma visitante indesejada, ainda mais no caso de alguém que gosta de previsibilidade e estabilidade. Eu gosto da rotina.

O problema é o que ela vai se tornando.

Ela é a desculpa para a falta de notícias - "nada de novo, só a rotina de sempre"; para os desencontros - "ah, rotina atarefada, não pude ir encontrar vocês aquele dia"; para os esquecimentos - "no meio dessa rotina doida, acabei esquecendo seu aniversário!".

Em nome da rotina, o assunto vai rareando, as idéias se vão perdendo, as amizades se enfraquecem, e até o amor pode perder o brilho. É perigosa, a diaba. Paradoxalmente, ameaça exatamente a estabilidade que, em teoria, preserva.

Ou talvez não seja a rotina, mas o acomodamento. Talvez se coloque a culpa na rotina, sem que ela, coitada, tenha qualquer culpa no cartório. A rotina é só a repetição da seqüência de algumas atividades básicas - trabalhar, estudar, comer, fazer exercício, respirar, dirigir, subir de elevador. Mas se o tédio se instala na realização dessas tarefas, e nos interstícios, o que tem a rotina a ver com isso?

O que estraga não é a rotina, é a mesmice.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Gerundismo

Ando vivendo, mais que nunca, um dia de cada vez. Sorvendo devagar o mel de cada hora, e deixando-me levar pelo inesperado.

Ando cedendo aos meus impulsos de prazer, permitindo-me gozar da vida, parar por um momento e relaxar sentindo a brisa do fim da tarde, nesse tempo quente e seco que me irrita.

Ando escrevendo pouco, lendo pouco, pensando pouco, deixo que o corpo me conduza, e espero que a serenidade se instale - aos poucos.

Ainda em aporia, mas permitindo que o tempo traga as respostas.

Aumentando o som, para poder ouvir o coração.

Amando muito e sempre, e cuidando para que as borboletas amarelas não me escapem pela janela.

Ando apenas sendo, e aprendendo que é tão difícil ser. Eu, sendo, é.*

*Parafraseando Clarice em "Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres".

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Aporia

No E-Dicionário de Termos Literários, Carlos Ceia assim define a aporia:

"[Do gr. aporia, “caminho inexpugnável, sem saída”, “dificuldade”.] 1. Dificuldade, impasse, paradoxo, momento de auto-contradição ou blindspot que impede que o sentido de um texto ou de uma proposição seja determinado.(...)
2. Como figura de retórica, a aporia diz respeito àqueles momentos em que uma personagem dá sinais de indecisão ou dúvida sobre a forma de se expressar ou de agir. O melhor exemplo é o célebre solilóquio de Hamlet, de William Shakespeare, consagrado na expressão “to be or not to be” (Acto III, 1).(...)"

O dicionário Caldas Aulete prevê três significados para a palavra "áporo":

1. problema insolúvel; situação sem saída;
2. uma espécie de inseto que cava a terra;
3. uma orquídea verde.

Fui atrás desses significados porque hoje me lembrei de um dos mais enigmáticos poemas de Drummond, "Áporo" - e agora vejo como ele facilmente se relaciona ao meu momento atual:

Áporo

Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape.

Que fazer, exausto,
em país bloqueado,
enlace de noite
raiz e minério?

Eis que o labirinto
(oh razão, mistério)
presto se desata:

em verde, sozinha,
antieuclidiana,
uma orquídea forma-se.
"Áporo", sem poro, sem saída, cavando um buraco onde se esconder, por onde tentar fugir. Brotando em orquídea verde - que é flor e folha, indecisa sobre o que pretende ser.

Ando tendo sonhos persecutórios recorrentes. Mudam os personagens, mudam os lugares, mas se mantém a sensação de estar encurralada, cercada de perseguidores desconhecidos, poderosos e onipresentes. Permanece também a angústia de não ter para onde correr, não enxergar saída, e nem saber ao certo a razão da perseguição.

Como a orquídea verde, indecisa, em aporia. Como o inseto áporo, cavo um buraco cada vez mais fundo, a pretexto de procurar uma saída. Como num labirinto, perdida.

Como Hamlet:

"To be, or not to be, that is the Question:
Whether 'tis Nobler in the mind to suffer
The Slings and Arrows of outrageous Fortune,
Or to take Arms against a Sea of troubles,
And by opposing end them
"

É mais nobre padecer ou se rebelar? Mais nobre aceitar o destino, ou se insurgir contra o que ele reserva? Ser, ou não ser?

Aporamente me pergunto o que fazer.





domingo, 31 de agosto de 2008

Tempo

O que eu queria era falar do tempo. Queria dizer que ele passou de repente. De repente "it dawned on me" que a vida é outra.

Amanheceu hoje um lindo dia fresco e ensolarado, com um céu limpo de chuva que caiu ontem de uma vez. O barulho da chuva na janela me fez feliz, o vento com cheiro de terra molhada, de poeira assentando. Eu sou da chuva. Quando as coisas importantes acontecem na minha vida, está chovendo.

A vida é outra, existe uma nova canção no meu peito, há no meu gesto um outro gesto, uma outra voz na minha voz. Há no meu ser o que sou e não sei.


Veio o tempo, e mudou a configuração das dunas do areal. Moveu as nuvens. Roeu as montanhas. O tempo veio e criou um vale pro rio passar. E o rio do desejo veio correndo por esse novo leito, veio enchendo as margens de verde, fazendo brotar as pastagens e as flores.

O tempo cicatrizou as feridas, amorteceu as dores, aparou as arestas. O tempo trouxe paz, e trouxe guerra para fazer valer a paz. Trouxe lembrança e esquecimento, que é lembrando e esquecendo que se constrói a história de cada um.

E só o tempo, só ele, permite construir o amor. No tempo o amor brota e se enrosca, frutifica, se fortalece, cria raiz, invade a vida, ilumina os dias, dá sentido, conduz.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Meu santo é forte...

Atualizando: nem eu sabia que o santo era tão forte. Depois de tantas decepções nessas Olimpíadas... Maurren Maggi é ouro! Com um belo salto de 7,04m, ela venceu Tatyana Lebedeva, sua principal concorrente depois da eliminação da portuguesa Naide Gomes.

Já falei tudo o que precisava falar sobre ela no post anterior. Ficam só as imagens:

O salto...


... e a comemoração!

terça-feira, 19 de agosto de 2008

No clima olímpico

Para não dizer que não falei das flores - ou melhor, das Olimpíadas - vou falar de uma atleta por quem venho torcendo já há um bom tempo: Maurren Higa Maggi, saltadora em distância.

Maurren chega a esses Jogos como uma atleta experiente e bem preparada, com grandes chances de ser medalha de ouro, em especial depois que sua principal rival foi eliminada ontem (a portuguesa Naíde Gomes). Depois da prova, em que fez o segundo melhor salto, de 6,79m, estava sorridente e confiante, mandou beijos para a filha Sofia, deu tchau para as câmeras.

Mas a razão pela qual torço por Maurren não é apenas a sua competência como atleta, nem o seu carisma. Torço por Maurren porque ela é o maior exemplo que conheço de força de vontade e garra. Enquanto tantos atletas fraquejam diante de pequenas dificuldades, ela teve força para chegar ao topo duas vezes: a segunda, hoje em dia, depois de conhecer o abismo.

Em 2003, às vésperas do Pan de Santo Domingo, em que era favorita, Maurren foi pega no exame antidoping, por uma substância contida em uma pomada cicatrizante que usou depois da depilação a laser. Sua versão dos fatos foi confirmada pela jornalista Luciana Ackermann, que decidiu tirar a prova, fazendo a mesma depilação e usando a mesma pomada, na mesma dosagem que Maurren - e acusando no exame o mesmo nível de clostebol que a atleta. Diante desse e de outros fatos, Maurren foi absolvida por unanimidade pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva, no Brasil. Porém, quando o caso foi remetido para a justiça desportiva internacional, ela foi condenada a 2 anos de suspensão, e, desanimada, não apresentou defesa para a Corte de Arbitragem do Esporte.

Magoada e decepcionada, durante o afastamento ela se casou, teve uma filha, pensou em desistir de vez. Mas o casamento acabou, e, sem chão, ela decidiu voltar. E voltou em grande estilo, ganhando o GP Americano, em Bogotá, em 2006. Em 2007, ganhou o ouro nos Jogos Panamericanos do Rio.

Ainda não sabemos o final dessa história olímpica, que será decidida em Pequim, nessa sexta-feira. Numa Olimpíada de resultados medíocres para o Brasil (vide o blog Bronze Brasil 2008), e surpresas desagradáveis como as ocorridas com Diego Hypólito e Fabiana Murer, infelizmente tudo pode acontecer.

Não sou fã de esporte, em geral, mas sou fã dessa mulher forte e decidida, e torço para que ela fique no topo do pódio. Não por representar um resultado para essa abstração que é um país, nem para melhorar nosso quadro de medalhas, mas por ela mesma, e por tudo o que passou até poder voltar a sorrir para as câmeras.

Quadro da Revista Veja - as chances de Maurren

Mais sobre a Maurren:

Revista TPM - matéria de novembro/2006, logo depois da volta
Revista Veja - matéria pré-olímpica de julho/2008
Site Terra - entrevista logo depois da vitória em Bogotá

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Não-Leituras

Estou quase acabando de ler um dos livros que foi um frisson na FLIP desse ano: Como Falar dos Livros que Não Lemos, de Pierre Bayard. Aproveito para escrever o post antes de efetivamente acabar, exatamente para poder fazer jus ao título...

O fato é que, apesar do título, o livro não é um manual para falar sobre livros que não lemos. Ou melhor - não no meu ver. Afinal, um dos exatos pressupostos adotados pelo autor é o de que duas pessoas não lêem um mesmo livro. O fato de que percorri com os olhos um determinado texto não significa que a minha compreensão foi a mesma da pessoa que o escreveu, nem a mesma das outras pessoas que o leram.

Portanto: para mim, o livro não é um manual para falar sobre livros que não lemos. É, isso sim, um ensaio sobre a relação entre leitura e não-leitura, e sobre os diferentes papéis simbólicos dos livros. Um conceito recorrente é o do "livro interior", a imagem que cada pessoa cria de determinado livro, e que é absolutamente única para o leitor. Outro, o da "biblioteca coletiva", o conjunto de livros que constituem o imaginário de um determinado grupo.

Fiquei interessada pelo livro, inicialmente, porque muitas algumas vezes já me manifestei sobre livros apenas folheados, ou de que sempre ouvi falar, como se já os tivesse lido. E, ainda, porque tendo a me esquecer completamente de certos livros, a tal ponto de parecerem novos e surpreendentes quando os releio, algum tempo depois (eu sou do tipo de pessoa que esquece o final da piada e ri quando escuta de novo...).

Porém, o que percebi com a leitura é o próprio livro desafia essa idéia. Quem se propõe a falar dele sem lê-lo vai, inevitavelmente, considerar que se trata de uma apologia à não-leitura. Mas quem se dispuser a ler vai perceber que não é apenas isso, que se trata, muito mais, de um livro que examina a possibilidade da leitura propriamente dita, e as lacunas deixadas pela cultura.

O que é ler? Quando podemos dizer que lemos um livro? Eu li "A Montanha Mágica" e "O Retrato do Artista Quando Jovem", mas já me esqueci de quase tudo - posso considerar, então, que realmente os li? E o que dizer da "Divina Comédia", do "Dom Quixote" e do "Fausto", que habitam minhas prateleiras, com marcadores empoeirando logo nas primeiras páginas - foram lidos?

Continuo tentando ler, continuo com minha compulsão pela leitura (e pela compra de livros), mas agora, pelo menos, não me frustro tanto, ao pensar que somos tantos os não-leitores.

Wordle

A Rosana Hermann indicou, e eu adorei. Um site chamado Wordle.net, que cria uma espécie de "nuvem de tags" com textos inteiros. Joguei lá o texto de um dos meus posts, e saiu esse negócio lindo:


Dá pra alterar o layout, a fonte, a cor... É viciante, já joguei vários textos para ver a forma que iriam tomar!

quarta-feira, 30 de julho de 2008

URGENTE

Pessoal, estou aproveitando esse espaço aqui para pedir a ajuda de vocês.

Recebi a informação de que um amigo meu, o Éder, está desaparecido desde junho desse ano. Ele é biólogo, e estava viajando para o Mato Grosso, de mochila nas costas. A última notícia que se teve dele foi quando estava em Ourinhos, SP.

Por favor, repassem esse panfleto, para tentarmos descobrir o paradeiro do Éder:


Agradeço desde já pela colaboração!

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Alívio alheio

Tenho um nariz grande.

Toda vez que menciono isso a alguém que acabei de conhecer (ou que já conhecia, mas a quem ainda não o tinha dito), sinto a pessoa respirar aliviada: agora pode se esquecer do meu nariz, eu sei que ele está lá.

Faço minha boa ação cotidiana mantendo a auto-crítica em dia.

sábado, 26 de julho de 2008

Atualizações

Uma das melhores partes de escrever meus planos, preto no branco, é poder reler sempre, e ver como vão os progressos. Tive essa semana o prazer de poder "ticar" um deles da lista:



Apesar da super gripe que ainda manifestava seus últimos sintomas, consegui. Nando foi comigo, e ter companhia ajudou bastante a manter o passo. Ainda assim, não foi nada tão difícil, e eu fiz um tempo considerado bastante bom para alguém com pouco treino (e doente!).

Devagar, devagarzinho, as coisas vão entrando nos eixos.

Estou em Salvador desde segunda-feira, já volto pra casa amanhã, e meu grande projeto aqui foi a educação de um lindo filhotinho de vira-lata que atende pelo nome de Kadu e está com exatos 50 dias de idade:


Poucas coisas são tão gostosas quanto um filhote de cachorro, ainda mais alegre e esperto como esse peludo. Só assim para espantar o tédio de uma casa que é também escritório, o que impede inclusive de usar a piscina...

Exercitei também meus talentos de educadora infantil (vulgo "tia do pré") com as 4 crianças que estavam aqui, e que levei pro cinema, pro zoológico, pro fliperama. Que ninguém entenda errado, eu AMO criança, mas minha idéia de uma semana de férias não era bem essa. Não fui à praia, porque só dava pra ir se levasse os pimpolhos. Enfim, aquele típico programa de índio que eu faço para poder ficar com meu pai e meu irmão.

Só atualizando, já que fiquei tanto tempo sem postar...

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Férias?

Teoricamente, estou de férias. Na prática:

- Uma gripe horrenda me pegou na quinta-feira, e até hoje não me largou. Passei o fim de semana na cama com ela, entre tosses, espirros e fungadas.

- Tive que trabalhar na segunda-feira, devo ter que voltar ao escritório ainda essa semana para terminar umas coisas, e meu chefe, que está viajando, não responde e-mail nem a marreta.

- Com a ajuda do Fernando, resolvi arrumar meu quarto. Ele pregou duas prateleiras para aliviar as pilhas de livros do lado da cama, e eu decidi aproveitar o embalo e dar uma geral.

Embora morra de preguiça, adoro fazer arrumação, porque acabo me deparando com um monte de recuerdos que vão ficando escondidos pelos cantos. Fotos antigas, bilhetes de amigas no colégio, CD's que eu jurava que estavam perdidos...

E encontro muita tralha, também. Todos os tipos de brindes que vieram em embalagens da Elma Chips ou Sucrilhos, lembrancinhas de festa (dessas que estão na moda - orelhinhas, plumas, pulseiras fluorescentes, pingentes que acendem), fitas, embalagens, pedaços de coisas quebradas, e todo tipo de traste. Tenho uma séria dificuldade em jogar essas coisas fora, desde pequena. Costumava guardar até papel de bala, minha avó faltava me matar!

Aliás, melhor voltar para a arrumação. Fiz uma pausa para almoçar (só o McDonald's ainda estava aberto), agora vou encarar a minha zona:


quarta-feira, 9 de julho de 2008

Nós e os elevadores


Muito bom o texto* do Marcelo Coelho na Folha de S. Paulo de hoje, sobre o uso do elevador.

Vivemos num país em que, ao mesmo tempo, somos cordiais e grosseiros; acolhedores e delicadamente trogloditas. Temos um espaço vital reduzido, e constantemente invadido por estranhos, mas isso em geral não nos incomoda, tendo sido acostumados desde a mais tenra idade.

Lembro-me de quando estive na Inglaterra. As pessoas mantinham uma distância regulamentar enorme. Mesmo na estação do metrô, aquele lugar caótico, a todo momento se ouvia um "sorry" polido, diante de qualquer esbarrãozinho que aqui no Brasil nem seria notado.

E o elevador, por seu exíguo tamanho, e pela proximidade forçada que causa, é um bom indicador dessas diferenças.

Ou talvez, até mais do que isso. Uma pesquisa publicada na revista Mente e Cérebro, comparando o comportamento das pessoas ao entrar no elevador, concluiu que existem padrões que podem apontar diferenças individuais de personalidade. Alguns exemplos mencionados:
  • Intrometido – Falador e, em geral, indiscreto, sente-se no dever de conversar com todos, falando interminavelmente até o elevador se esvaziar.

  • Observador – Perscruta os outros da cabeça aos pés, observando detalhes da roupa ou características físicas; não fala, parece não exprimir nenhuma emoção e fica atento mesmo que o elevador esteja vazio.

  • Arrogante – Na maioria das vezes vestido de forma impecável, olha os outros com desprezo ou auto-suficiência e, em geral, é um front runner**. Não raro, assume tal atitude por puro mal-estar causado pela proximidade alheia. Costuma sacar o celular assim que a porta abre.

  • Intratável – Faz de tudo para evitar qualquer contato, físico ou verbal. Se o elevador está ocupado, hesita entre entrar, usar a escada ou esperar a próxima viagem. Se alguém tenta romper o silêncio, fica quieto, olhando para frente.

  • Vaidoso – Busca imediatamente um espelho e, na falta deste, usa a superfície metálica que reflete sua imagem para ajeitar roupas, cabelos e sobrancelhas.

  • Inseguro – Mostra-se hesitante, atrapalha-se com o andar. Solicita as mais diversas informações.

Lendo essa lista, consigo facilmente visualizar cada um desses tipos. De acordo com a matéria da revista, muitas vezes o comportamento assumido dentro do elevador não reflete aquele que a pessoa tem na vida cotidiana.

Talvez porque o elevador seja o lugar onde a nossa solidão fica mais saliente. Estamos ali, cercados de pessoas, e não conseguimos, na maior parte das vezes, sequer travar um diálogo, sequer romper aquela fina barreira de desconhecimento. A proximidade física extrema não impede o estranhamento, ou, pelo contrário, o acentua.

Estamos todos tão próximos, e tão sozinhos. E não, isso não se refere apenas ao elevador.

*Matéria acessível apenas para assinantes UOL e Folha de S. Paulo

** Front runners, de acordo com a pesquisa, são as pessoas que se postam logo em frente à porta do elevador, prontas para sair correndo assim que ela se abrir.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Bur(r)ocracia

Advogar é, essencialmente, passar o tempo tentando driblar a bur(r)ocracia.

Estou fazendo um inventário administrativo - ou seja, em cartório, ao invés de judicial. Uma das etapas disso tudo é preencher uma declaração dos bens e direitos sendo transmitidos, calcular o ITCD (Imposto sobre Transmissão de bens "Causa mortis" e Doações) incidente, recolhê-lo, e mandar tudo para a Fazenda Estadual homologar.

Um mês atrás, fiz isso tudo. Agora, a Fazenda devolveu... Dizendo que precisamos pagar mais 4 mil reais. Obviamente, fui tentar descobrir a razão da cobrança, para, se for o caso, impugnar. E aí começou a minha diversão de hoje.

Olhei no site da Secretaria da Fazenda, e não consegui descobrir exatamente onde deveria ir. A Secretaria da Fazenda tem trocentos prédios, cada um num canto da cidade. Vi um nome que continha algo como "atendimento ao público", e decidi ir até lá, já que o telefone não atendia, mesmo.

Centro de Belo Horizonte. Rua Rio de Janeiro, em plena Praça Sete. Quem conhece a cidade, sabe do inferno que estou falando. Vagas? Hahahahahaha... Só consegui um estacionamento, a 3 ou 4 quarteirões de distância, cobrando 6 reais por hora. Dirigir naquela região desperta ímpetos de fazer um strike com todos aqueles pedestres no meio da rua. E andar a pé é praticamente um rally, fugindo dos vendedores ambulantes, e das pessoas oferecendo empréstimos "na hora", fotos "na hora", compro ouro "na hora".

Cheguei ao tal lugar, e a recepcionista pediu minha identidade para cadastrar. Entreguei minha OAB:
- Não tem identidade?
- Olha, tá escrito aí na carteira 'identidade civil para todos os fins legais'
- Ah, mas eles aqui querem é a outra, aquela comum.

Respirei fundo. Uma carteira da OAB é um documento muito mais formal que uma carteira de identidade. Para obter essa bendita carteira, tem que apresentar assinatura de 3 advogados abonando sua conduta, certidão de bons antecedentes, a identidade "comum", o CPF, além de ter que passar na bendita prova. Ou seja, ela vale muito mais. Mas eu não ia fazer esse discurso todo.

- Eu nem ando mais com a carteira comum, vai ter que ser essa, mesmo.

Cara de bunda, mas aceitou. Perguntou com quem eu ia falar.

- Não tenho a menor idéia, aliás, vim aqui exatamente para descobrir.
- Ah, mas você sabe se é nesse prédio? Porque tem outro prédio da Secretaria da Fazenda no quarteirão de baixo.
- Não, não sei. Vou lá em cima, e pergunto pro primeiro que tiver cara de saber, porque sozinha eu não consegui descobrir.

Nesse momento, acho que ela se compadeceu de mim, e me liberou para entrar. Subi até o 8º andar, e literalmente perguntei pro primeiro que passou - um senhor de idade - se ele sabia onde eu poderia resolver meu problema. Ele não sabia, mas chamou lá dentro um rapaz que deveria saber. O rapaz, é claro, também não sabia. Mas disse que devia ser no tal prédio do quarteirão de baixo.

Fui até lá, então, abrindo meu caminho a cotoveladas no meio da multidão, segurando a bolsa com força, morrendo de calor, e dirigindo meu ódio à burocracia. Quando cheguei lá...

- Não, não é mais aqui, agora é na Av. Brasil, 464.

A Avenida Brasil é em outro bairro, e definitivamente não ia dar tempo de chegar lá no meu horário de almoço. Respirei fundo, agradeci, e fui buscar meu carro. Maldita burrocracia. Maldita, maldita. Gastei meu horário de almoço inteiro, e não resolvi NADA.

E isso tudo, é claro, me lembrou o super clássico desenho "Os Doze Trabalhos de Asterix", em que um dos trabalhos é exatamente vencer a super burocracia romana para conseguir um formulário...

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Homem e Mulher


Sou fã do Contardo Calligaris (aliás, como a maior parte das pessoas que conheço), e acompanho a coluna dele na Folha de São Paulo. Hoje, ele tratou de um tema que é sempre interessante: a identidade de gênero.

O que é que nos torna o que somos - homem ou mulher?

Contardo elenca algumas possibilidades: a cultura, a biologia, ou, ainda, a escolha. E menciona como exemplo desta última algo que ocorria nas montanhas do norte da Albânia. Uma cultura com divisão rígida entre homens e mulheres, em que vige um sistema de mortes perenemente compensadas (mate um dos meus, eu mato um dos seus), mas apenas entre homens. Assim, em muitas famílias, restavam apenas mulheres. E aí é que entra a escolha: uma mulher virgem poderia escolher ser homem, e passar a agir e ser vista como tal pelo resto da vida.

Algo assim nos apresenta uma idéia que não é nova, mas que é sempre intrigante. A de que somos o que somos porque escolhemos, a cada instante, sê-lo. E que isso inclui até mesmo a nossa opção sexual.

Essa escolha não se processa de forma racional. Não consigo imaginar alguém parado na frente do espelho, dizendo para si mesmo "hoje quero continuar a ser homem". Mas poucas escolhas são realmente racionais, e o controle que temos sobre o que escolhemos é assustadoramente limitado.

Na maior parte do tempo, simplesmente escolhemos, e, se alguém nos pergunta a razão, não sabemos dizer. Carne ou peixe? Preto ou vermelho? Beatles ou Rolling Stones? Atlético ou Cruzeiro? Alguma razão em especial para a escolha? Possivelmente não.

Ser mulher é trabalhoso, porque mulher não tem signo, nem símbolo, porque é coisa inventada. Homem é o falo, as grandes torres, os carros velozes, os símbolos de status. E mulher? Mulher é o quê? Bolsa e sapato, como em Sex and the City?

Já disse: mulher é inventada. É coisa que não existe. Mistura de força e de fragilidade, de coragem e de delicadeza, e não se explica. E sofre por não se explicar, por não se permitir compreender: nem Freud, nem Lacan, conseguiram, por mais que tentassem. Talvez porque sejam homens. Se fossem mulheres, nem tentariam, porque já saberiam, de nascença, que mulher não se explica.

É preciso escolher a cada dia, e não é difícil entender por que alguém escolheria deixar de ser mulher, para poder ser homem, em paz. O falo (não o físico, mas aquele outro, também inventado, que é puro símbolo) facilita tudo.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

24

Quando eu tinha uns 7 anos de idade, eu e minhas amiguinhas do prédio da minha avó tínhamos uma brincadeira de "futurologia". Num papel, desenhávamos um quadrado, e dentro dele escrevíamos a idade com que queríamos nos casar. Então, ao redor do quadrado, em cada um dos lados, escrevíamos, respectivamente, 3 nomes de meninos que conhecíamos, 3 modelos de carro, 3 lugares no mundo, e 3 situações de vida (que normalmente eram classe média, rica e milionária, já que ninguém queria descer de onde já estava, e eu freqüentei colégio e vizinhança de classe média-alta desde sempre).

A brincadeira consistia em, começando do primeiro nome de menino, ir pulando por cada uma das opções, contando em voz alta até alcançar o número dentro do quadrado. Então, a opção em que parávamos era riscada, e começávamos da seguinte, contando de novo, até só sobrar uma opção de cada tipo (um menino, um carro, um lugar, uma situação), que era caprichosamente circulada com caneta colorida. No final, ali estava a nossa vida futura: a idade com que iríamos nos casar, o noivo, o lugar da lua-de-mel, a situação de vida, e até mesmo o carro que teríamos.

A idade que eu costumava escrever dentro do quadrado, e disso eu me lembrei esses dias, era exatamente a que tenho hoje: 24.

Isso era mais que o triplo da idade que eu então tinha. Eu esperava, aos 24 anos, já ter tudo o que pensava ser importante nessa vida, já estar encaminhada, emparelhada, e rumo a uma felicidade sem fim. Considerava que, aos 24 anos, minha vida já seria plena de certezas, e de escolhas bem-feitas. Parecia um futuro tão remoto, que eu pensava que qualquer coisa poderia acontecer no meio tempo, mas com certeza, aos 24, já estaria tudo resolvido.

Hoje, tenho tudo, menos certezas. Tudo, menos escolhas bem-feitas. Cheguei a pensar em casamento, mas felizmente, desisti (ou a vida desistiu por mim, o que de qualquer forma foi a melhor opção possível), e por enquanto, ainda é tudo novo demais. Não tenho dinheiro para comprar meu próprio carro, e o carro que meu pai me deu não é o que eu teria escolhido. Ainda moro na casa da minha mãe, e não tenho perspectivas de sair de lá tão cedo. E definitivamente não tenho condições de viajar para Bali.

Fico sentindo que decepcionei aquela menina cheia de sonhos, porque cheguei aos 24 anos muito distante do que ela achava tão fácil conquistar. O mundo era dela, porque ela podia sonhá-lo, e fui eu quem despertou do sonho com um gosto amargo na boca, uma ressaca inesperada pelo que não bebi.

Quando estive nos EUA com meu pai, em 2005, ele me deu de presente uma escultura de leão em resina. Disse que era para enfeitar meu futuro escritório. O leão continua guardado dentro da caixa, porque não há escritório nenhum, não há sala nenhuma, tenho apenas uma bancada pequena numa sala compartilhada em escritório alheio, trabalhando todo dia porque não consigo sair do lugar, fingindo que estudo, fingindo que escolho, fingindo que a vida segue - mas ela está parada.

No fundo de mim, aquela menininha de 8 anos continua sonhando, mas ela não sabe que a realidade é louca, que a vida assusta, e que aos 24 anos há incertezas demais.

Acaba, junho...

Mais uma: não vou poder ir a São Paulo em julho, como já vinha planejando há alguns meses. Meu pai não vai me mandar grana esse mês, o que significa que eu não tenho nem como pagar as passagens, que dirá arcar com as despesas lá, que são altas mesmo ficando em casa de amigas.

Alguém poderia ter me avisado que o inferno astral não coincide necessariamente com o mês do aniversário. Aliás, eu ando chegando à conclusão de que deveria acreditar mais em astrologia. O meu horóscopo de junho do Astrology Zone (para quem gosta, é um dos melhores que eu conheço) já tinha me avisado:

"Payments and checks due you that always came in like clockwork may now be
delayed or lost, so keep a sharp eye on all your accounts receivables.

(...)

As you see, there will be a huge financial emphasis to June, and with this, at some point, a large expense may suddenly arise that you have to handle. This outlay seems related to a social event - a friend's wedding perhaps. Whatever this event may be, there's a strong likelihood that you'll need to travel to attend. (Still, the event looks like fun, so you may not be too concerned about the outlay of cash.) "
(Eu fui madrinha de um casamento em João Monlevade, e tive que gastar uma grana legal com presente, salão, e afins... Mas a festa foi ótima!)

Hoje já é dia 30, felizmente. Espero que julho não me reserve grandes surpresas.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Amaro

Junho continua difícil. Continua um mês, assim, meio de sombras.

O que me dói, sempre, é encontrar um fundo amargo nos momentos de alegria. É encontrar uma ponta de dor e culpa no prazer, naquilo que supostamente deveria ser sentido sem medo.

Talvez tenha sido sempre assim, como uma herança de família: não ter direito ao prazer, não ter direito ao gozo puro e simples das boas ofertas da vida. Por trás de cada alegria, uma sensação de dever que deveria estar sendo cumprido, de responsabilidade renegada, de culpa.

A tal, transmitida ao longo das gerações. Culpa existencial. Culpa por simplesmente ser, por simplesmente ter tido a sorte de nascer com facilidades mil, culpa por ter sorte na vida, culpa por poder fruir, culpa por sequer pensar em fazê-lo. Culpa que nem os anos de psicanálise conseguiram aplacar, e nem os anos de vida, tampouco.

Por trás dela, há um ganho. Um ganho neurótico e intangível, mas que a perpetua.

Preciso me livrar desses entraves. É esse ganho da culpa que piora minha procrastinação, que alimenta a minha inércia, que me mantém num estado de suspensão e ansiedade. É esse gosto amargo, que não passa.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Memória afetiva

Hoje me lembrei de um quadrinho antigo, na sala de um professor de religião no saudoso Colégio Loyola. Era um quadrinho com um texto que eu lia e relia toda vez que entrava naquela sala (o professor em questão, Eduardo Machado, era e ainda é um grande amigo para mim), e que de vez em quando aparece na minha cabeça.

Procurando pela internet, encontrei o site do autor, Geraldo Eustáquio de Souza. Fiquei meio decepcionada, porque é um baita site de auto-ajuda. Então, preferi ignorar esse fato, não li mais nada no site para não mudar a minha memória, copiei o texto e coloquei aqui:

A Jornada
(Geraldo Eustáquio de Souza)

Às vezes bate uma idéia de desistir.
Então a gente pára, põe o sonho de lado
e fica por aí pensando e sofrendo.

Mas não é por muito tempo não.
Qualquer coisa da estrada
passarinho flor montanha nuvem
o menino que nos acenou sorrindo
esperança à toa que seja vira roteiro de viagem.

Precisa ver os olhos brilhando com que partimos
mochila nas costas, cantando o sol e a sede
prazer e cansaço de quem caminha sempre em frente
em direção de algo mais além de nós mesmos
de nossos desejos, medos e frustrações

porque é para lá que estamos indo
- é só para lá que sabemos ir

passos de uma caminhada
que nenhum de nós sabe quando começou
nem quando terminará.

Eu sei, não é um brilhantismo literário, mas é memória afetiva, e me consolou em outros momentos. Agora, quando vem batendo forte a tal da idéia de desistir, e de colocar o sonho de lado, talvez seja bem de algo assim que eu precise: qualquer coisa da estrada que vire roteiro de viagem.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Humores

Em geral se fala sobre o humor de um jeito maniqueísta: há o bom e o mau humor.

Bom humor é aquele de quem acorda sorrindo, faz um café e se entusiasma com o cheiro que invade a casa, dá bom-dia para todos os que cruzam seu caminho, dirige ouvindo alguma música ótima e cantarolando enquanto ignora o trânsito, e se mantém assim, sorridente, ao longo de todo o dia.

Mau humor é o de quem tem a nuvem cinza em cima da cabeça, acorda resmungando, reclama que o café está frio, xinga todos os outros motoristas na hora do rush, responde rispidamente quem ousa dirigir-lhe a palavra, e, em geral, vive insatisfeito e de cara fechada.

A conclusão óbvia é que esses dois extremos não existem, o que me faz pensar que talvez não devesse também haver a divisão entre bom e mau humor. Porque o humor da média dos seres humanos não é assim tão preto no branco, e está mais em alguma das matizes de cinza.

Há dias em que se acorda desanimado, apesar do céu azul e do sol, mas um banho levanta a moral, e o trânsito não está ruim, mas também não está bom. Toca uma música boa de cantar no rádio, depois só algumas completamente indiferentes, e aí toca aquela de fazer chorar sempre. Bom-dia para a vizinha que sempre está de cara boa, e nada para o vizinho de quem nem se sabe o nome. E uma certa sobrancelha franzida para o que costuma deixar a música alta até tarde nas quintas-feiras. Um sorriso para um telefonema muito esperado, uma careta para um problema de última hora.

A vida em geral segue assim, e fica difícil dizer se o que se sente é bom ou mau humor. Talvez fosse melhor classificar o humor em cores, embora já se pressinta que haveria alguma dificuldade masculina com o humor cor-de-rosa, que possivelmente se tornaria o favorito de certa classe de donzelas. Ou ainda, classificar o humor como se classifica o tempo: nublado com pancadas de chuva, céu claro com poucas nuvens, tempestade. Ou qualquer outra classificação que permitisse demonstrar toda a gama de humores, e sua altíssima variabilidade no tempo.

E tudo isso só pra dizer que hoje, contrariando o inverno que se aproxima, o dia foi quente e de sol, sem nuvens, e que por mais que eu goste de frio e chuva, devo admitir que correspondeu bastante bem ao meu humor...


terça-feira, 17 de junho de 2008

Pilha de palavras

Em abstrato, entendo.
Concretamente,
antiteoricamente,
tododiamente,
ignoro.
Escrevo as verdades
para não esquecer
e esqueço as palavras
desaprendo a ler
para não lembrar.
Não, não sou abstrata.
Talvez por isso
permaneça.
O cotidiano me corrói,
lentamente,
nos cantos agudos
da incompreensão.
E as camadas se acomodam,
a gordura se acomoda,
a mediocridade se acomoda,
tudo empilhado,
sem abstração.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

O post do Dia dos Namorados

Trilha sonora adequada:


Datas marcadas no calendário são sempre fruto de controvérsia. Dia dos Pais, Dia das Mães, Dia da Criança, ou, como hoje, o tal Dia dos Namorados.

Os adeptos fervorosos compram presentes com semanas de antecedência, reservam restaurante, e fazem figa pra não ter uma fila muito grande no motel. Os presentes podem incluir bichos de pelúcia, anéis de compromisso, perfumes, um CD com as músicas do casal, um lindo cartão com corações vermelhos.

Jantar romântico à luz de velas...

Dentre os adeptos, há também aqueles que se descabelam por estarem solteiros. Ou melhor, solteiras, porque em geral são as mulheres que se preocupam. E aí, fogem da televisão para não ver comerciais, ou vão a alguma das inúmeras "festas de solteiros" que ocorrem nessa data.

E há os opositores. Aqueles que bradam que é só mais uma data comercial, que tudo é pretexto para o comércio ganhar mais dinheiro, que não há sentido em comemorar algo que é externamente imposto, e que o amor deve ser celebrado todos os dias, não só naquele que se convenciona.

Os argumentos de oposição são bons, mas a pressão para se enquadrar também é. O que fazer?

Para mim, apenas não se prender. Não se prender à convenção, nem à anti-convenção. Atender ao desejo, apenas ao que se quer. Você tem namorado, mas não está a fim de encarar a calcinha de rendinha e a fila do motel? Acabou de começar a namorar (cof, cof, cof), e quer mais é aproveitar todos os pretextos para mimos e declaraçõe? Está solteiro, e acha que isso tudo é uma babaquice, ou ainda, que não é babaquice, mas enfim... ?

A data comemorativa é só uma oportunidade. Mais uma oportunidade para dizer que ama. Mais uma oportunidade para tratar o outro bem, para fazê-lo sentir-se bem. Mais uma oportunidade para estar junto. Se você prefere usar outra data para esse fim, se você acha que não precisa de data, isso é o de menos.

O que importa é o desejo, o gostar, o cuidar, o encontrar, e saber que quem faz o amor somos nós, e não os outros.

Se ainda der tempo, uma boa noite do Dia dos Namorados. A minha está sendo aqui em casa, mas data é o que não nos falta...


quarta-feira, 11 de junho de 2008

Turbulências

Se abril foi um mês sensacional, junho está sendo bem complicado.

O tempo está péssimo aqui em BH. Não decide se é quente ou frio, não chove nem por decreto, e a poluição chega a níveis assustadores.

Vários aniversários, um casamento de que sou madrinha e uma data comemorativa asseguraram que as minhas finanças estejam em petição de miséria. Cintos apertados até agosto, quando acabo de pagar a maior parte das dívidas.

Domingo, teve concurso da Procuradoria do Município de Belo Horizonte, e tomei um ferro danado, pra não dizer coisa pior. 54 pontos em 100, chega a ser vergonhoso. A maior nota que vi até agora foi 75, mas, mesmo assim, é muito pouco. Auto-estima foi parar no dedão do pé.

Além disso, ontem, Morgana, minha labradoida mais nova, conseguiu a proeza de quebrar um dente. Ou melhor, estraçalhar um dente, o incisivo superior central esquerdo (acho que é isso), do qual só restou um pedacinho, e o nervo exposto.

Morgana, fingindo de cachorrão

No meio de um dia doido de trabalho, tive que despencar no veterinário, e deixar a bichinha internada para fazer a extração, hoje pela manhã. Aproveitei e pedi para fazerem a chapa e o laudo de displasia coxo-femural - uma malformação que acontece na articulação entre a cabeça do fêmur e a bacia, e é muito comum em cães de grande porte.

Fui buscá-la hoje, estava tudo bem... Mas a chapa não foi boa. O vet disse que provavelmente vai ser C ou HD+ (ele ainda não fez o laudo), que é displasia leve. Teoricamente, ainda é permitido para reprodução, mas não é aconselhado. Junte-se a isso o fato de que ela é bem abaixo do padrão de altura da raça, e a idéia de que ela fosse minha primeira matriz numa criação começa a parecer bem distante.

E, é claro, com essa brincadeira, lá se foi mais uma boa grana. Anestesia, procedimentos, remédios.

Além disso, amanhã é Dia dos Namorados, e o meu está viajando. Tudo bem, nem sei se isso é uma coisa tão ruim, porque pelo menos é um bom motivo para não precisar enfrentar restaurante lotado e fila no motel, mas mesmo assim, dá uma certa carência.

Enfim, tudo há de passar. Se possível, num concurso que preste! E essa foi a piada infame do dia.

Dia dos Namorados... só dá trabalho!

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Privacidade

Cartaz de "Janela Indiscreta", de Alfred Hitchcock

Em tempos de internet, o conceito de privacidade adquire novos contornos. Perfis em sites de relacionamento, blogs, fóruns, o que não falta são lugares onde abrir sua vida para desconhecidos.

Muitas pessoas se incomodam essa exposição. Desconfiam da internet, não querem que ninguém saiba o que se passa em suas vidas, desejam preservar ao máximo a intimidade. O que é perfeitamente compreensível, quando paramos para pensar em tarados, pedófilos, golpistas e psicopatas de todo o gênero.

Mas existe o outro lado, e aviso desde logo que é onde me encontro. É o lado de quem gosta da oportunidade de se expor - o lado exibicionista, para ser mais clara.

Quando entrei no Orkut, em maio de 2004, eu só conhecia uma pessoa lá, o amigo que tinha me convidado. E aquele mundo de estranhos, cheio de possibilidades, pareceu altamente atrativo. Preenchi meu perfil, coloquei fotos, dados, preferências, e, para usar a gíria, "me joguei".

Fui aprendendo a me mostrar sem me comprometer demais, mas permitindo aos outros participar da minha vida. Troquei opiniões, bati boca, dei e recebi apoio, conheci histórias e contei as minhas. Hoje, 4 anos depois, vejo quanta coisa ganhei, quantas pessoas conheci, o quanto aprendi e mudei com tudo isso. E nunca me arrependi.

Abri minha vida de uma forma que jamais imaginava fazer, e em troca recebi amigos, carinho, críticas construtivas, respeito. Esse fim-de-semana, quando assumi oficialmente que estou namorando, foram dezenas de recados de amigos compartilhando da minha alegria.

Expor-se é um risco. Buscar o outro é um risco. "Viver é muito perigoso", já dizia Guimarães Rosa. Mas as recompensas existem, para quem está disposto a se arriscar.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Borboletas no Estômago

Outro dia, uma amiga me disse que vinha ler meu blog, e parecia que havia borboletas amarelas* voando da tela. Claro, isso era uma metáfora, e me fez pensar sobre o assunto.

Nos últimos meses, vi minha vida mudar radicalmente. Não apenas no aspecto objetivo, mas, principalmente, no subjetivo: o que sinto, o que penso, a forma como vejo o mundo. Há quem diga que isso tem relação com o meu segredinho (e tem!), mas sei que é mais do que isso.

Existem momentos em que é preciso crescer. Em que é preciso assumir responsabilidades, fazer escolhas, tomar as rédeas da própria vida. Meu analista de família (sim, eu faço terapia de família com meus tios e primos do lado do meu pai, e devo dizer que tem sido muito proveitoso) costuma chamar isso de "momentos mágicos".

Que de mágicos não têm nada. São absolutamente doloridos e trabalhosos. Momentos de viver um luto, em geral, seja o luto físico de uma perda, seja o luto pela escolha não-feita (porque toda escolha implica uma perda, e nós vivemos o luto do que não escolhemos). São as horas de olhar para dentro, e encarar de frente todos aqueles cantos escuros.

Sou cheia de cantos escuros. Exponho para o mundo meu lindo lado ensolarado, e guardo comigo as tantas obscuridades que me compõem. Os medos, os desejos obscuros, as pulsões inconfessáveis. O lado escuro que todas as pessoas têm, e que a minha antiga analista (pois é, eu também já fiz análise individual...) preferia chamar de "incontrolável".

A razão pela qual as borboletas parecem voar da tela do meu blog, além do enlevo, possivelmente tenha muito a ver com o fato de que eu venho processando, nos últimos tempos, uma série de lutos. Os óbvios e os não-óbvios. E, com isso, venho sentindo as borboletas no meu estômago se agitarem, numa ansiedade pela vida que estou construindo, pela pessoa que estou me tornando, pelas escolhas que se aproximam.

Meu momento mágico vem sendo trabalhado com algum custo, e, para minha alegria, com muitas boas descobertas no processo - e algumas, nem tanto. Talvez as borboletas sejam simplesmente o retrato da metamorfose lenta e cuidadosa que vem se processando dentro desse meu casulo.



* Não é isso, Rosa?

terça-feira, 3 de junho de 2008

Segredo

Guardo um segredo comigo. Um segredo que o vento sopra, que as folhas das árvores sussurram, e que não é nada de novo sob o sol. Mas que ainda assim me perturba, e enche os meus dias de um perfume diferente.

Levo isso comigo, entre as dobras do casaco, atrás da orelha, num bolso qualquer.

Queria gritá-lo, desnudá-lo para o mundo, queria compor uma canção que tocasse no rádio, um poema publicado nas manchetes do jornal. Mas me refreio: segredo é para se guardar.

Guardo um segredo comigo que é de ternura e tesão. Que se espalha pelas frestas. Invade as horas, as tardes, a vida. E que nem é tão secreto assim.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Pressentimento

A despeito do que penso, a verdade é que sinto.
A despeito do que tento, acontece.
A despeito do que evito, acabo me perdendo.
A despeito do que espero, surpreendo-me.

E então os dias passam, as noites caem,
o tempo urge (o tempo ruge),
e é inverno outra vez.

Tempo para plantar e tempo para colher.
Tempo para se encontrar:
Encontro. Encanto.

A despeito do que possa acontecer, pressinto.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Bad hair day

Acordei meio ansiosa, hoje. Espero que o dia passe depressa, ou eu melhore. Quando acordo assim, acabo fazendo bobagem no trânsito, dizendo o que não devia para as pessoas, derrubando coisas, tropeçando, cheating myself (Amy Winehouse, You Know I'm No Good: "I cheated myself/Like I knew I would").

O ideal seria passar o dia em posição fetal enroscada no cobertor. Como não será possível, vou respirar fundo, e tentar dirigir devagar, falar pouco, e passar a 3km de qualquer quina de mesa ou objeto frágil.

Update: Não era só ansiedade, era também uma bela infecção urinária, causando uma dor horrível nas costas, que piorou durante o dia. Mas já estou medicada e sob controle.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Querências*

Não sei o que quero,
e nem sei se o que quero é o que desejo.
Sei o que não quero.
Não quero toda essa culpa,
não quero o trânsito de sexta-feira,
nem esse sol rasgando uma tarde seca.
Não quero o rigor da lei.
Não quero a fenescência da flor.
O que quero é o beijo do lusco-fusco
e o lume do girassol.
Quero a impermanência das estradas
a solidez do horizonte
a solidão da nuvem branca no céu.
Mas o que quero não importa:
querer é, quase sempre,
enfrentar a frustração.




*Post inspirado em Manuel Bandeira e numa conversa com o Fernando.

domingo, 25 de maio de 2008

Um domingo qualquer

Pensamentos inconclusos de um domingo à noite.

1. Acaso

Hoje pela manhã fui fazer prova de concurso. Um concurso para o qual eu não havia me preparado, que não estava com vontade de fazer, mas a que, tendo passado para a segunda fase, não tive coragem de simplesmente não comparecer. Cheguei ao campus da UFMG, onde seria realizada a prova, e fui estacionar meu carro. Senti o pára-choque raspar na mureta baixinha que dividia estacionamento e jardim, e dei uma ré para afastar. CREC! Barulho de algo quebrando. Parei imediatamente, e desci do carro: meu pára-choque havia enganchado na mureta, e, com a ré, havia se rasgado na parte de baixo.

Um bom samaritano me ajudou, segurando a ponta do pára-choque enquanto eu concluía a ré, de forma a evitar aumentar o estrago. Ainda assim, toda a minha calma desceu pelo ralo, enquanto eu pensava com raiva que por uma questão de segundos aquele transtorno poderia ter sido evitado. A diferença entre rasgar e não rasgar o pára-choque foi o acaso. O acaso existia enquanto aquilo podia ou não acontecer. A partir do momento em que aconteceu, deixou de ser acaso, e passou a ser o ocorrido.

O acaso só é acaso enquanto não se atualiza. A partir do momento em que acontece, deixa de existir acaso, e passa a haver apenas aquilo que efetivamente se passou.

2. Livros

Estive na Bienal do Livro de Minas Gerais hoje à tarde. O evento era, essencialmente, uma feira de livros em tamanho aumentado. Sem grandes promoções, sem grandes novidades, apenas estandes e mais estandes de livrarias e editoras, com as velhas capas conhecidas.

Sou fascinada por livros. Não apenas por seu conteúdo, mas pelo objeto livro. Pode-se chamar de fetiche, também. Gosto de pegar, sentir, cheirar. Capas duras, edições bem cuidadas, papel pólen, ilustrações em nanquim, tudo me entusiasma. Quase fui ao delírio no meio das tantas opções.

Acabei comprando apenas livros jurídicos, que são uma maneira de conciliar o fetiche por livros com as necessidades mundanas e a falta de grana generalizada.

Não há tela de computador, nem documento em PDF que substitua toda a sensualidade (no sentido mais amplo) do papel.

3. Como passar em concursos

Comprei um livro do estilo "Como passar em concursos" (esse não é o título exato, mas um título genérico que já resolve). Acabei me rendendo diante do fato de que simplesmente não consigo organizar meu estudo. Talvez uma fonte de inspiração externa me ajude.

É um livro super simpático, recheado de desenhos, esquemas e caixas coloridas com texto bem destacado. A capa diz que são 110 mil exemplares vendidos, e fiquei pensando em todas as pessoas que compraram. Será que todas elas eram como eu? Será que elas passaram no concurso que desejavam? Será que o livro foi parar na estante com tantos outros, nunca lido?

4. Era isso.

Talvez cada tópico pudesse ter rendido, sozinho, uma postagem inteira, mas me faltou determinação para desenvolver qualquer um deles. Ficam aí as idéias desconexas para quem as quiser aproveitar.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

O Museu e as Massas

Fui hoje com minha mãe a Inhotim. Para quem não sabe do que se trata, é um museu de arte contemporânea a céu aberto, que fica em Brumadinho, a mais ou menos 1h de BH City. O paisagismo do lugar é obra do grande Burle Marx, e é encantador. Há cisnes e patos circulando livremente pelos lagos, e a arquitetura das galerias (são várias galerias ligadas por trilhas de pedra) também é linda.

Mamãe já tinha ido lá com meus avós, ano passado, e queria me levar, também. Obviamente, eu queria muito conhecer, e o feriado pareceu a ocasião adequada.

Triste engano. Pegamos uma estrada lotada, chegamos lá e mal tinha lugar para estacionar, fomos almoçar e participamos daquela terrível cena da fila do buffet com prato na mão e pessoas se empurrando. Havia filas para entrar em várias instalações, e uma multidão se espalhando por todos os lugares. Parecia a Disney.

Seria interessante pensar nisso como um fenômeno de democratização da arte, de aproximação das pessoas com a linguagem artística contemporânea. Teoricamente, deveria ser algo a ser celebrado - multidões aproveitando o feriado para visitar um museu.

A sensação, porém, não é bem essa. O que me parecia, o tempo todo, era que estávamos num lugar da moda - como um shopping ou um parque - e que as pessoas estavam ali mais para ver e ser vistas, e depois dizer "Inhotim? Ah, já fui!" do que para efetivamente participar da experiência da arte.

A maior parte fazia visitas-relâmpago às instalações, em geral com aquela cara de "E ainda têm coragem de chamar isso de arte!", e saiam correndo para ir tomar uma coca-cola, ou sentar num banco e olhar os patos. Nada contra olhar os patos. Mas, para isso, basta ir ao Parque Municipal...

O que se percebia, em geral, não era uma democratização da arte, mas uma transformação da arte em shopping center, em vitrine para ser observada e esquecida. Havia placas em cada instalação explicando do que se tratava, mas quase ninguém lia. Olhavam, achavam feio/bonito/ridículo/nojento/divertido, e pronto, vamos para a próxima montanha-russa, para o próximo carrossel.

O museu é um lugar lindo e agradável? Sim, com certeza. É uma boa coisa a democratização da arte? Também penso que sim. Mas arte não é simples adorno (embora um adorno possa vir a ser arte), visitar uma galeria não é como ver a decoração de Natal do shopping. E o que senti em Inhotim, hoje, foi que a maior parte das pessoas passa incólume por aquilo que a arte pretende transmitir. Além, é claro, do fato de que a educação e a gentileza do brasileiro médio são vergonhosas. Gente falando alto dentro das galerias, bloqueando as trilhas para tirar fotos cheias de caras e bocas, e todas as maravilhas do gênero.

Quero voltar a Inhotim. Mas sem as massas, por favor...

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Aikido

Acho que ainda não comentei (embora muitos saibam) que pratico Aikido.

Antes que alguém pergunte, o Aikido é uma arte marcial que foi desenvolvida por Morihei Ueshiba no começo do século XX, com base no Daito Ryu Aiki Jujutsu, uma arte marcial tradicional - um Budo. Assim, embora seja moderno, por suas raízes o Aikido também é considerado um Budo, uma arte samurai.


Essencialmente, o Aikido envolve uma série de torções e projeções, praticamente sem trabalho de solo, e sem chutes e socos (os chutes e socos só são usados para atacar, iniciando o golpe propriamente dito), utilizando movimentos circulares que se aproveitam da força de quem ataca.


Aikido: Caminho (do) da Harmonia (Ai) com o Ki. Ki é a energia essencial, é o mesmo Chi do Tai Chi Chuan, e, teoricamente, a mesma energia que os personagens de Dragon Ball Z usam quando vão soltar seus "Kamekameha". Mas não, nós não soltamos bolas de fogo no Aikido.


Ao longo dos anos de treino - atualmente, pouco mais de quatro -, vim aprendendo muito com o Aikido. Obviamente, ele me deu mais coordenação motora, que sempre foi um problema na minha vida, e mais agilidade e consciência corporal.


Mas, além disso, o Aikido me ensina a ter uma postura de não-agressão. No treino de Aikido, quem ataca, perde. Quem começa atacando, o chamado Uke, acaba no chão, arremessado ou conduzido pelo Nage, que é quem efetua o golpe. E esse Nage precisa sempre manter calma e atenção, para que o golpe saia da forma correta.


Treinar me ajuda a manter a calma no cotidiano. Sou uma pessoa ansiosa, agitada, e embora não possa dizer que deixei de sê-lo, hoje consigo conter toda essa ansiedade e me concentrar no meio do furacão. Manter uma postura condizente com o Aikido é estar atenta sem estar ansiosa, é estar pronta para a ação, sem perder a compostura.


Além, é claro, do fato de que não há stress que sobreviva a uma bela sessão de treino jogando pessoas para um lado e para o outro...



Isso é Aikido!

domingo, 18 de maio de 2008

Tempos de Faculdade

Só uma tirinha do PhD Comics...

Tradução rápida:
'Onde Você se Senta numa Aula/Seminário
E o que isso diz sobre você

Primeira fileira: candidatos a queridinho do professor
Dorminhocos da segunda fila: boas intenções, má narcolepsia
Meio-centro: "manda bala"
Encostados na parede: "sou sensível. Por favor, me ignore."
Perto da saída: descompromissados
Última fileira: bons demais para estar ali'

Quem me conhece do colégio me viu sentar a vida inteira na primeira fileira.

Agora, no bendito cursinho, como as aulas são telepresenciais (ou seja, não adianta nada puxar o saco do professor, porque, afinal, o professor é um telão!), convergi para o meio-centro, no melhor estilo "pode vir quente que eu estou fervendo".

Mas aqueles que me viram na faculdade não têm dúvida de que a minha verdadeira alma (e o meu talento) está entre os dorminhocos da segunda fileira. Com louvor.

A Vida dos Outros

Como dá para perceber desde o título deste post, pretendo falar do filme alemão que ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2008, e que felizmente, por essa razão, permaneceu em cartaz no cinema por um bom tempo. Tempo suficiente para que eu fosse vê-lo, hoje.

É um filme de espionagem, um thriller que se passa na Alemanha Oriental, em meados da década de 80. Um espião da Stasi (a polícia secreta da República Democrática Alemã) é designado para investigar um escritor e sua amante, por meio de constante escuta no apartamento onde moram. Porém, de sua posição de espião, ele acaba se envolvendo na vida daqueles outros que espiava. E daí surge o fio que conduz brilhantemente a narrativa.

Não vou entrar em detalhes, afinal, espero convencer pelo menos alguém a ir assistir. O filme é lindo, emocionante, muito mais do que pode parecer por essa breve descrição. E sua fruição, e a reflexão que ela desperta, não se esgotam na sala de cinema.

A primeira dessas reflexões é acerca da intimidade, e da forma como os regimes totalitários se imiscuem na esfera de vida privada dos cidadãos. O casal investigado é escutado enquanto fazem sexo, enquanto conversam numa festa, enquanto têm conversas e discussões absolutamente íntimas. E tudo isso, supostamente, em nome da preservação do regime.

Mas a reflexão que mais me interessa é aquela acerca dos Outros. A vida dos outros é, essencialmente, um mistério. O que pensaríamos das pessoas que conhecemos, se pudéssemos ouvir os diálogos que travam na intimidade, todos os dias? O que descobriríamos a seu respeito? Será que manteríamos ainda nosso afeto e nossa admiração?

Ou, por outro lado: será que, ao ouvir as conversas de nossos amigos, não poderíamos perceber quão tolos fomos de não os valorizar como deveriam? Será que talvez não percebêssemos o quanto os subestimamos?

A personagem principal do filme mergulha, por meio das vidas alheias, numa rota de mudança sem volta, de humanização. A aproximação com os outros, com seus sentimentos, seus medos e fraquezas, e, até mesmo, com sua grandeza e suas melhores qualidades, tem, nesse filme, um efeito avassalador sobre a vida de um homem.

Talvez possa ter sobre as vidas de todos nós. Aproximar-se do outro, deixar-se tocar pelo que ele traz, procurar a comunicação improvável, é o que nos humaniza. A despeito da vontade louca de nos entocarmos e nos isolarmos, é a busca pelo outro que nos traz de volta ao convívio. Se existe algo de essencialmente humano - o que é uma idéia discutível, penso que esse algo pode ser, exatamente, a capacidade de se ver no outro, e amá-lo por isso.