terça-feira, 11 de novembro de 2008

Ética

Nos últimos tempos, de várias formas, me vi pressionada a pensar sobre a ética - o que ela significa, e como aplicá-la no cotidiano. Um episódio pessoal na vida do Nando, um belo texto da Babi, e eis-me aqui escrevendo sobre o tema.

Adoto aqui ética e moral como sinônimos, embora saiba que, conceitualmente, existem diferenças - a grosso modo, a moral seria o conjunto de normas de conduta aplicáveis em determinadas circunstâncias geográficas e históricas, enquanto a ética seria o aspecto científico, o estudo dessas normas de conduta.

Para Aristóteles, no seu Ética a Nicômaco, a ética é entendida como a busca da felicidade - não a felicidade hedonista dos tempos atuais, mas a eudaimonia, a felicidade de se fazer o que é certo e o que é bom, conciliando os interesses do indivíduo com os interesses coletivos. Para ele, a excelência moral estaria em adotar, praticando atos que reiteradamente o revelem, o meio-termo entre as disposiçõs morais extremas: a coragem, entre a covardia e a temeridade; a moderação, entre a insensibilidade e a concupiscência, e assim em tudo o mais.

De fato, uma das características essenciais da moral é o seu aspecto social. Só existem normais morais porque convivemos, porque constituímos sociedades e precisamos de regras que nos permitam viver bem.E é difícil pensar nesse "bem" como sendo algo muito distante do que Aristóteles defendia.

Vivemos numa circunstância histórica (século XXI d.C.) e geográfica (República Federativa do Brasil, Estado soberano da América do Sul) em que as normas morais parecem ter diminuído de valor. Ou, ainda, parecem ter-se relativizado. Pode-se dizer que a moral seja, sim, relativa, se pensarmos que ela se altera de acordo com as circunstâncias. Mas, mantidas as tais circunstâncias, e devidamente delimitadas, a relativização dos valores passa a ser perigosa.

Quando o declínio dos valores se passa num plano amplo, parece óbvio a todos que se trata de algo "errado" ou "ruim". É errado que um político desvie dinheiro público, é errado que um bandido seja solto por conveniências particulares dos poderosos, é errado que os projetos pessoais de poder se assenhorem daquilo que é, por natureza, de todos, é errado que o marido traia a mulher, é errado que a filha mate os pais, ou que os pais matem os filhos. Tudo isso é preto no branco, sem nuances de cinza, a princípio.

Mas é no cotidiano que se percebe o risco maior. É na forma como as relações se deterioram no plano mais restrito, na esfera da intimidade, que percebemos o prejuízo que a perda dos valores éticos traz para cada um. É a pessoa que fura uma longa fila, é o cafezinho do guarda, é o "jeitinho" que se dá num órgão público para obter mais rapidamente determinados benefícios, é o troco recebido a mais e nunca devolvido, é o som alto madrugada adentro, são os pequenos desrespeitos nossos de cada dia.

O que se reflete aí, sempre, é a prevalência do interesse privado sobre o coletivo. É o tempo do "eu". A ética vigente é a ética de Gerson, o clássico "gosto de levar vantagem", e que se reflete inclusive sobre as relações afetivas. Quantas pessoas não adotam, hoje, a postura do prazer desmesurado, sem a menor consideração pelo outro, por suas necessidades e sentimentos?

Se cada um prioriza apenas o que é seu, apenas seus interesses e suas pulsões, vamos retomando aos poucos a selvageria. Se é preciso defender com unhas e dentes o que é meu, acaba prevalecendo a lei do mais forte. Junte-se a isso um Estado fraco, que falha em impor suas normas jurídicas (não, não vou ficar aqui distinguindo a norma jurídica da norma moral), e uma cultura em que o mais esperto é visto como herói, e temos a anomia de que falava Durkheim. Se não temos normas morais pelas quais nos pautar, acabamos por viver à deriva.

É em grande parte por isso que as igrejas, com suas normas rígidas de conduta, venham angariando tantos adeptos. O fato é que sentimos falta de ter um norteamento claro de nossas ações. Acabam prevalecendo os valores familiares, mas sendo cada família um núcleo muito específico, a tendência é que esses valores sejam excessivamente discrepantes.

Tudo isso para dizer, apenas, que há momentos em que é preciso nos agarrar aos nossos valores mais firmes, às nossas convicções mais profundas, para evitar perder o sentido de tudo. Algo precisa resistir ao caos, e se não há uma moral heterônoma, é preciso que ela brote, autonomamente, do nosso próprio sentimento do mundo. Quando releio Aristóteles, percebo que aquilo que ele dizia, quatro séculos antes de Cristo, ainda hoje pode ser considerado uma conduta ética. Talvez a moral não seja tão relativa quanto alguns gostariam que fosse.

3 comentários:

Sarita disse...

O Estudo sobre Ética e Moral ficou muito evidente nesses últimos tempos, por ter virado ASSUNTO de CONCURSOS.

Creio que TODA MÃE burle A ÉTICA (quando preciso), mas não A MORAL. É assim que costumo separar os significados dessas palavras.

Muito bom o texto, daria um ÓTIMO ARTIGO!

Beijos

Anônimo disse...

saudades da sixter-gênio
Gostei, ficou muuuito bom
beijos

Mondo Gatto disse...

Aprendi com meu pai que a moral não se curva, é rígida e muuiiiito sensível. Se curvar um tico quebra e quando se quebra, para voltar ao estado natural fica o remendo, que a torna mais frágil ainda.
Outro dia estava em um churrasco, com uma amiga que gosto muito e de repente me soltou a pérola: "amanhã pago tantos mil para o fulano de tal da empresa tal. Ele me pediu este adicional que para mim é salário, mas tudo bem." Deborah, juro por Deus, o meu QUÊÊÊÊ???? foi tão forte que ela se assustou, recuou e disse: "ahh, fala que você não daria para pegar um evento de 100 mil?". Eu me senti tão indignada, tão afrontada que falei com ela que era melhor saltar essa parte, deixar a resposta para outro dia. Me afastei imediatamente, senti vergonha por ela e fiquei pensando: para alguns, isso é comum, normal. A moral para essas pessoas é categorizada, para algumas situações sim, para outras não.
Realmente não me encaixo nesse quadro, sou completamente quadrada e intolerante. Minhas amiga desceu ao nível dos caramujos no meu conceito... ecaaaaa! Deu vontade de pisar e espremer. Bjok, Desirée