domingo, 29 de novembro de 2009

Resoluções de Ano Velho


Antes que esse ano acabe, antes que chegue o Natal, trazendo o fast-forward dos últimos dias, ainda há tempo de resolver. Detesto resoluções de Ano Novo e promessas de mudança na segunda-feira, condicionando a força de vontade a um arbitrário "começo" do calendário. O que é que impede de trocar de emprego na quinta-feira, de fazer regime no sábado, de parar de fumar em outubro?

Entendo que sejamos dominados pelo simbólico. Balizamos nossas vidas por rituais. Amamos os números redondos. Buscamos as coincidências, os padrões, temos imensa dificuldade com a aleatoridade. Queremos que o primeiro dia do ano seja o primeiro dia do "resto de nossas vidas".

Mas, para isso, acabamos postergando decisões que seriam úteis hoje. Deixamos para um outro dia mais mágico, uma ocasião especial, o momento adequado da conjunção dos astros. Não queremos que algo comece num dia comum. Como se algum dia fosse mais do que comum, embora destacado por quaisquer forças externas - o Papa Gregório, o Presidente da República, as contrações do parto.

Por isso, defendo que adotemos as resoluções de ano velho. É essencial que sejam tomadas num dia qualquer - pode ser inclusive uma segunda-feira, desde que ser segunda-feira não seja essencial à escolha. É importante também que não sejam tomadas todas uma vez: alguma invariavelmente ficará pelo caminho, senão todas. Cada resolução deve ser tomada em seu tempo próprio, não importando nem mesmo que ocorram em anos diferentes.

Torná-las públicas é opcional, mas, para o bem da sanidade mental de cada um, recomendo mantê-las para si. Resoluções mantidas por força de cobrança externa acabam se tornando fardos. É recomendável, ainda, anotá-las em algum lugar, de forma a permitir que, eventualmente, sejam recordadas ou abandonadas de forma definitiva e oficial. É preciso coragem para olhar uma resolução no olho e deixá-la para trás, embora mesmo isso possa ser libertador.

Aliás, nem peço perdão aos covardes: coragem é fundamental para quem pretende fazer resoluções de qualquer tipo. É preciso assumir o risco de descumpri-las e lidar com a própria fraqueza, ou o pior risco ainda, o de realizá-las, e ter que encarar que os problemas que antes eram muletas não são mais. É bom começar abandonando a primeira, e deixando o calendário para lá.

domingo, 15 de novembro de 2009

Ele Acaba

É de Paulo Mendes Campos o texto que dá nome a este blog, e mais uma vez me vejo tentada a recorrer às palavras dele, que escreveu uma linda e sofrida crônica chamada "O Amor Acaba", em que diz:
"O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado;"

Fato é que o amor acaba. Acaba nas pequenas agressões do cotidiano, e nas grandes agressões inesperadas. Acaba no desencanto e na indelicadeza, porque o amor é coisa frágil, cristal. Acaba no desencontro, no descompasso, acaba nas horas mortas da madrugada, acaba no susto, no medo, na submissão.

Deixa em seu lugar um incômodo que é mais que dor. É vazio e escuro, um buraco - não no peito, mas no estômago, como uma úlcera, roendo por dentro, queimando. Um desejo de posição fetal e imobilidade morna. É o desalento.

E quando o amor não acaba, mas é vencido pelas circunstâncias, então é preciso matá-lo, lentamente, com doses diárias de algum veneno insidioso. O amor não morre com balas de prata, nem com estaca no peito, há que se ter paciência e constância para sufocá-lo (como para mantê-lo, diga-se).

Com essa morte, vem o sofrimento da absoluta necessidade de alienar o outro: transformar em estranho e distante aquilo que antes era proximidade, conforto e a mais completa intimidade. Converter a comunhão de corpos e almas em polidez tépida, e seguir como se não fosse habitada por um vulcão.

Por fim, dificultando tudo, é preciso elaborar o luto - aceitar a perda, a morte do outro em mim, e de mim nele - para poder sobreviver. E sobrevivemos, todos, com exceção daqueles que, se não morressem de amor, morreriam de tédio.

Então, é de novo o meu amigo (pena que nunca pudemos sentar numa mesa de boteco) Paulo que conclui:

"...em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba."
Porque o amor não acaba de verdade - sempre há amor em nós, que vivemos de amar e ser amados, e sem isso, nada somos.