quinta-feira, 29 de maio de 2008

Bad hair day

Acordei meio ansiosa, hoje. Espero que o dia passe depressa, ou eu melhore. Quando acordo assim, acabo fazendo bobagem no trânsito, dizendo o que não devia para as pessoas, derrubando coisas, tropeçando, cheating myself (Amy Winehouse, You Know I'm No Good: "I cheated myself/Like I knew I would").

O ideal seria passar o dia em posição fetal enroscada no cobertor. Como não será possível, vou respirar fundo, e tentar dirigir devagar, falar pouco, e passar a 3km de qualquer quina de mesa ou objeto frágil.

Update: Não era só ansiedade, era também uma bela infecção urinária, causando uma dor horrível nas costas, que piorou durante o dia. Mas já estou medicada e sob controle.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Querências*

Não sei o que quero,
e nem sei se o que quero é o que desejo.
Sei o que não quero.
Não quero toda essa culpa,
não quero o trânsito de sexta-feira,
nem esse sol rasgando uma tarde seca.
Não quero o rigor da lei.
Não quero a fenescência da flor.
O que quero é o beijo do lusco-fusco
e o lume do girassol.
Quero a impermanência das estradas
a solidez do horizonte
a solidão da nuvem branca no céu.
Mas o que quero não importa:
querer é, quase sempre,
enfrentar a frustração.




*Post inspirado em Manuel Bandeira e numa conversa com o Fernando.

domingo, 25 de maio de 2008

Um domingo qualquer

Pensamentos inconclusos de um domingo à noite.

1. Acaso

Hoje pela manhã fui fazer prova de concurso. Um concurso para o qual eu não havia me preparado, que não estava com vontade de fazer, mas a que, tendo passado para a segunda fase, não tive coragem de simplesmente não comparecer. Cheguei ao campus da UFMG, onde seria realizada a prova, e fui estacionar meu carro. Senti o pára-choque raspar na mureta baixinha que dividia estacionamento e jardim, e dei uma ré para afastar. CREC! Barulho de algo quebrando. Parei imediatamente, e desci do carro: meu pára-choque havia enganchado na mureta, e, com a ré, havia se rasgado na parte de baixo.

Um bom samaritano me ajudou, segurando a ponta do pára-choque enquanto eu concluía a ré, de forma a evitar aumentar o estrago. Ainda assim, toda a minha calma desceu pelo ralo, enquanto eu pensava com raiva que por uma questão de segundos aquele transtorno poderia ter sido evitado. A diferença entre rasgar e não rasgar o pára-choque foi o acaso. O acaso existia enquanto aquilo podia ou não acontecer. A partir do momento em que aconteceu, deixou de ser acaso, e passou a ser o ocorrido.

O acaso só é acaso enquanto não se atualiza. A partir do momento em que acontece, deixa de existir acaso, e passa a haver apenas aquilo que efetivamente se passou.

2. Livros

Estive na Bienal do Livro de Minas Gerais hoje à tarde. O evento era, essencialmente, uma feira de livros em tamanho aumentado. Sem grandes promoções, sem grandes novidades, apenas estandes e mais estandes de livrarias e editoras, com as velhas capas conhecidas.

Sou fascinada por livros. Não apenas por seu conteúdo, mas pelo objeto livro. Pode-se chamar de fetiche, também. Gosto de pegar, sentir, cheirar. Capas duras, edições bem cuidadas, papel pólen, ilustrações em nanquim, tudo me entusiasma. Quase fui ao delírio no meio das tantas opções.

Acabei comprando apenas livros jurídicos, que são uma maneira de conciliar o fetiche por livros com as necessidades mundanas e a falta de grana generalizada.

Não há tela de computador, nem documento em PDF que substitua toda a sensualidade (no sentido mais amplo) do papel.

3. Como passar em concursos

Comprei um livro do estilo "Como passar em concursos" (esse não é o título exato, mas um título genérico que já resolve). Acabei me rendendo diante do fato de que simplesmente não consigo organizar meu estudo. Talvez uma fonte de inspiração externa me ajude.

É um livro super simpático, recheado de desenhos, esquemas e caixas coloridas com texto bem destacado. A capa diz que são 110 mil exemplares vendidos, e fiquei pensando em todas as pessoas que compraram. Será que todas elas eram como eu? Será que elas passaram no concurso que desejavam? Será que o livro foi parar na estante com tantos outros, nunca lido?

4. Era isso.

Talvez cada tópico pudesse ter rendido, sozinho, uma postagem inteira, mas me faltou determinação para desenvolver qualquer um deles. Ficam aí as idéias desconexas para quem as quiser aproveitar.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

O Museu e as Massas

Fui hoje com minha mãe a Inhotim. Para quem não sabe do que se trata, é um museu de arte contemporânea a céu aberto, que fica em Brumadinho, a mais ou menos 1h de BH City. O paisagismo do lugar é obra do grande Burle Marx, e é encantador. Há cisnes e patos circulando livremente pelos lagos, e a arquitetura das galerias (são várias galerias ligadas por trilhas de pedra) também é linda.

Mamãe já tinha ido lá com meus avós, ano passado, e queria me levar, também. Obviamente, eu queria muito conhecer, e o feriado pareceu a ocasião adequada.

Triste engano. Pegamos uma estrada lotada, chegamos lá e mal tinha lugar para estacionar, fomos almoçar e participamos daquela terrível cena da fila do buffet com prato na mão e pessoas se empurrando. Havia filas para entrar em várias instalações, e uma multidão se espalhando por todos os lugares. Parecia a Disney.

Seria interessante pensar nisso como um fenômeno de democratização da arte, de aproximação das pessoas com a linguagem artística contemporânea. Teoricamente, deveria ser algo a ser celebrado - multidões aproveitando o feriado para visitar um museu.

A sensação, porém, não é bem essa. O que me parecia, o tempo todo, era que estávamos num lugar da moda - como um shopping ou um parque - e que as pessoas estavam ali mais para ver e ser vistas, e depois dizer "Inhotim? Ah, já fui!" do que para efetivamente participar da experiência da arte.

A maior parte fazia visitas-relâmpago às instalações, em geral com aquela cara de "E ainda têm coragem de chamar isso de arte!", e saiam correndo para ir tomar uma coca-cola, ou sentar num banco e olhar os patos. Nada contra olhar os patos. Mas, para isso, basta ir ao Parque Municipal...

O que se percebia, em geral, não era uma democratização da arte, mas uma transformação da arte em shopping center, em vitrine para ser observada e esquecida. Havia placas em cada instalação explicando do que se tratava, mas quase ninguém lia. Olhavam, achavam feio/bonito/ridículo/nojento/divertido, e pronto, vamos para a próxima montanha-russa, para o próximo carrossel.

O museu é um lugar lindo e agradável? Sim, com certeza. É uma boa coisa a democratização da arte? Também penso que sim. Mas arte não é simples adorno (embora um adorno possa vir a ser arte), visitar uma galeria não é como ver a decoração de Natal do shopping. E o que senti em Inhotim, hoje, foi que a maior parte das pessoas passa incólume por aquilo que a arte pretende transmitir. Além, é claro, do fato de que a educação e a gentileza do brasileiro médio são vergonhosas. Gente falando alto dentro das galerias, bloqueando as trilhas para tirar fotos cheias de caras e bocas, e todas as maravilhas do gênero.

Quero voltar a Inhotim. Mas sem as massas, por favor...

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Aikido

Acho que ainda não comentei (embora muitos saibam) que pratico Aikido.

Antes que alguém pergunte, o Aikido é uma arte marcial que foi desenvolvida por Morihei Ueshiba no começo do século XX, com base no Daito Ryu Aiki Jujutsu, uma arte marcial tradicional - um Budo. Assim, embora seja moderno, por suas raízes o Aikido também é considerado um Budo, uma arte samurai.


Essencialmente, o Aikido envolve uma série de torções e projeções, praticamente sem trabalho de solo, e sem chutes e socos (os chutes e socos só são usados para atacar, iniciando o golpe propriamente dito), utilizando movimentos circulares que se aproveitam da força de quem ataca.


Aikido: Caminho (do) da Harmonia (Ai) com o Ki. Ki é a energia essencial, é o mesmo Chi do Tai Chi Chuan, e, teoricamente, a mesma energia que os personagens de Dragon Ball Z usam quando vão soltar seus "Kamekameha". Mas não, nós não soltamos bolas de fogo no Aikido.


Ao longo dos anos de treino - atualmente, pouco mais de quatro -, vim aprendendo muito com o Aikido. Obviamente, ele me deu mais coordenação motora, que sempre foi um problema na minha vida, e mais agilidade e consciência corporal.


Mas, além disso, o Aikido me ensina a ter uma postura de não-agressão. No treino de Aikido, quem ataca, perde. Quem começa atacando, o chamado Uke, acaba no chão, arremessado ou conduzido pelo Nage, que é quem efetua o golpe. E esse Nage precisa sempre manter calma e atenção, para que o golpe saia da forma correta.


Treinar me ajuda a manter a calma no cotidiano. Sou uma pessoa ansiosa, agitada, e embora não possa dizer que deixei de sê-lo, hoje consigo conter toda essa ansiedade e me concentrar no meio do furacão. Manter uma postura condizente com o Aikido é estar atenta sem estar ansiosa, é estar pronta para a ação, sem perder a compostura.


Além, é claro, do fato de que não há stress que sobreviva a uma bela sessão de treino jogando pessoas para um lado e para o outro...



Isso é Aikido!

domingo, 18 de maio de 2008

Tempos de Faculdade

Só uma tirinha do PhD Comics...

Tradução rápida:
'Onde Você se Senta numa Aula/Seminário
E o que isso diz sobre você

Primeira fileira: candidatos a queridinho do professor
Dorminhocos da segunda fila: boas intenções, má narcolepsia
Meio-centro: "manda bala"
Encostados na parede: "sou sensível. Por favor, me ignore."
Perto da saída: descompromissados
Última fileira: bons demais para estar ali'

Quem me conhece do colégio me viu sentar a vida inteira na primeira fileira.

Agora, no bendito cursinho, como as aulas são telepresenciais (ou seja, não adianta nada puxar o saco do professor, porque, afinal, o professor é um telão!), convergi para o meio-centro, no melhor estilo "pode vir quente que eu estou fervendo".

Mas aqueles que me viram na faculdade não têm dúvida de que a minha verdadeira alma (e o meu talento) está entre os dorminhocos da segunda fileira. Com louvor.

A Vida dos Outros

Como dá para perceber desde o título deste post, pretendo falar do filme alemão que ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2008, e que felizmente, por essa razão, permaneceu em cartaz no cinema por um bom tempo. Tempo suficiente para que eu fosse vê-lo, hoje.

É um filme de espionagem, um thriller que se passa na Alemanha Oriental, em meados da década de 80. Um espião da Stasi (a polícia secreta da República Democrática Alemã) é designado para investigar um escritor e sua amante, por meio de constante escuta no apartamento onde moram. Porém, de sua posição de espião, ele acaba se envolvendo na vida daqueles outros que espiava. E daí surge o fio que conduz brilhantemente a narrativa.

Não vou entrar em detalhes, afinal, espero convencer pelo menos alguém a ir assistir. O filme é lindo, emocionante, muito mais do que pode parecer por essa breve descrição. E sua fruição, e a reflexão que ela desperta, não se esgotam na sala de cinema.

A primeira dessas reflexões é acerca da intimidade, e da forma como os regimes totalitários se imiscuem na esfera de vida privada dos cidadãos. O casal investigado é escutado enquanto fazem sexo, enquanto conversam numa festa, enquanto têm conversas e discussões absolutamente íntimas. E tudo isso, supostamente, em nome da preservação do regime.

Mas a reflexão que mais me interessa é aquela acerca dos Outros. A vida dos outros é, essencialmente, um mistério. O que pensaríamos das pessoas que conhecemos, se pudéssemos ouvir os diálogos que travam na intimidade, todos os dias? O que descobriríamos a seu respeito? Será que manteríamos ainda nosso afeto e nossa admiração?

Ou, por outro lado: será que, ao ouvir as conversas de nossos amigos, não poderíamos perceber quão tolos fomos de não os valorizar como deveriam? Será que talvez não percebêssemos o quanto os subestimamos?

A personagem principal do filme mergulha, por meio das vidas alheias, numa rota de mudança sem volta, de humanização. A aproximação com os outros, com seus sentimentos, seus medos e fraquezas, e, até mesmo, com sua grandeza e suas melhores qualidades, tem, nesse filme, um efeito avassalador sobre a vida de um homem.

Talvez possa ter sobre as vidas de todos nós. Aproximar-se do outro, deixar-se tocar pelo que ele traz, procurar a comunicação improvável, é o que nos humaniza. A despeito da vontade louca de nos entocarmos e nos isolarmos, é a busca pelo outro que nos traz de volta ao convívio. Se existe algo de essencialmente humano - o que é uma idéia discutível, penso que esse algo pode ser, exatamente, a capacidade de se ver no outro, e amá-lo por isso.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Procrastinação

Eu confesso: sou uma procrastinadora¹ crônica, com pouquíssimas chances de reabilitação.

Antes que alguém pergunte como consigo ser advogada, sendo ao mesmo tempo procrastinadora, dou uma resposta simples. É que os prazos são os grandes amigos da procrastinação. São eles que impedem que procrastinemos ao infinito, limitam o lapso temporal do adiamento. Toda vez que preciso fazer alguma coisa, estabeleço um prazo peremptório - se for dilatório, já sei que vou insistir em ampliá-lo seguidamente.

Porém, nem tudo nessa vida tem prazo, e são exatamente as tarefas desprovidas de prazo fixo que fazem o inferno de todo procrastinador. Aliás, que fique claro que esse inferno é composto de dois aspectos, o interno e o externo.

O aspecto externo, por óbvio, é a cobrança alheia. É o amigo que pediu um CD com as fotos da viagem, o parente que pediu um parecer sobre determinado assunto (no meu caso, normalmente problemas jurídicos de todos os tipos, inclusive aqueles fora da minha esfera de compreensão), o colega de trabalho que quer uma opinião. Todas essas pessoas estão ali, constantemente cobrando, ainda que silenciosamente.

Já o inferno interior é a culpa, e essa é ainda mais cruel. A culpa permeia todos os momentos da vida. Se me permito um lazer, lá vem a culpa me lembrar das tantas obrigações procrastinadas. A culpa se imiscui inclusive nos meus sonhos, e é comum sonhar que perdi um prazo, ou que tenho uma tarefa a cumprir que esqueço repetidamente.

O aspecto externo interfere diretamente no aspecto interno. De certa forma, até prefiro que a cobrança alheia seja bem marcada e insistente, porque, ao mesmo tempo, me torna mais propensa a vencer a inércia, e, por outro lado, diminui a culpa - a chatice do outro é um bom alívio para as nossas culpas. Que o digam os maridos infiéis cujas esposas lhes enchem os ouvidos de reclamações e desaforos (ou vice-versa, nesses tempos de igualdade substancial).

Então, repito: eu procrastino. Tenho no meu carro uma sandália, uma calça e uma bolsa para consertar, e uma blusa para trocar. Estão ali há tempos variados, entre 3 meses e 2 semanas, e as providências vêm sendo sucessivamente adiadas. O antivírus do meu computador expirou, e ainda não consegui uma hora para trocá-lo por outro (que já tenho, inclusive).

O procrastinador adia a vida, na esperança de que ela própria se resolva. Adia os compromissos, para que possa também adiar a fruição. O procrastinador é um masoquista. Escrever esse post é procrastinar o que eu deveria estar fazendo agora.

Duas animações muito bacanas que refletem bem como a procrastinação funciona:






¹Procrastinar:
transferir para outro dia ou deixar para depois; adiar, delongar, postergar, protrair

quarta-feira, 14 de maio de 2008

A moda e os modos


Hoje coloquei um colete e um trench coat, e fiquei me sentindo no auge da moda.

Coisa boba, essa, da vaidade, e ao mesmo tempo, tão poderosa. Uns pedaços de pano que mudam o sentimento que tenho do mundo e dos outros (e até mesmo daquele Outro).

Não precisa nada de mais, basta uma bolsa nova, um sapato combinando com a blusa, um brinco que adoro usar, e isso muda a minha cara - não apenas pela vestimenta em si, mas pela forma como enxergo a mim mesma.

Por outro lado, não só a minha roupa interfere na minha percepção, mas o meu estado de espírito interfere na roupa. É fácil perceber quando estou desanimada, é só reparar na absoluta falta de criatividade que me assola.

Nos momentos difíceis, chego a passar a semana inteira usando essencialmente o mesmo estilo de roupa, variando só a blusa, alternando os sapatos. Em geral, camisa de botão, calça jeans e sapato chanel, que são o meu porto seguro. Nada de muita invenção de moda, nada de cores, e muitas vezes o mesmo brinco todos os dias.

Mas esses dias ando me sentindo bem comigo mesma, em grande parte pelas artes mágicas daquele Outro. Então saio revirando o armário em busca de tantas partes de mim guardadas no fundo das gavetas, querendo novas combinações, novos jeitos de ser eu, porque já não caibo mais nas fórmulas desgastadas.

E aí, como hoje, me surge um lindo dia de frio, prontinho para o colete, o trench coat e a bota, e eu saio pela rua pensando que o mundo todo deve perceber as borboletas dentro de mim.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Desassossego

Andei relendo o Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa em sua versão Bernardo Soares, o guarda-livros - que não é bem um heterônimo, mas um semi-heterônimo, nas palavras do próprio Pessoa ("não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e afectividade.").

É um livro sem uma ordem narrativa, ou mesmo poética, composto em fragmentos que podem ser lidos aleatoriamente, ou na forma em que são apresentados. Por essa razão, é uma leitura que eu classifico como fácil-difícil: fácil, porque a qualquer hora posso ler um fragmento isolado, de duas ou três páginas; difícil, porque as chances de conseguir efetivamente ler todos os fragmentos diminui na exata medida da minha desorganização mental.

Menciono o livro, porque, ao ler o Fragmento 260, encontrei a fonte de um trecho que me inspirou durante toda a adolescência, e de que ainda hoje me recordo em muitos momentos:

"O que sinto, na verdadeira substância com que o sinto, é absolutamente incomunicável; e quanto mais profundamente o sinto, tanto mais incomunicável é."

Partindo dessa reflexão, Pessoa ingressa em outro terreno, já explorado no clássico Autopsicografia ("O poeta é um fingidor/Finge tão completamente/Que chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente"): o de que a comunicação feita pela escrita é, essencialmente, mentirosa. Para incutir no leitor a emoção que atinge o escritor, este precisa fugir de si mesmo e descrever alguma outra situação menos específica de sua individualidade, que permita ao leitor, então, sentir o que ele, escritor, sente.

A idéia da incomunicabilidade sempre me incomodou. Aos 15 anos, descobri que havia uma solidão inevitável e essencial, algum lugar escuro dentro de mim que luz nenhuma poderia alcançar. Talvez por isso tenha me voltado à escrita, tenha me dedicado à palavra, na tentativa de comunicar ao Outro uma parte disso.

E o que vim descobrindo, como tantos antes de mim, é que a palavra é falha. A grande mentira da palavra, aquela que dizemos para inspirar no outro a emoção que sentimos, não alcança nunca o que realmente se passa no coração.

Mas é aí, no fim do discurso, aí onde as palavras não alcançam, que pode se dar o milagre do verdadeiro entendimento. Entendimento que não ilide a solidão mais profunda, que é a solidão da morte, mas que permite o encontro, permite nos iludirmos e pensarmos que aquele Outro nos entende, entende todas as coisas incomunicáveis.

O encantamento surge exatamente da incomunicação, e permanece porque é alimentado por tudo em nós que não se transmite. Projeto no Outro o que espero ali encontrar, e ele não pode desmentir. É a mentira que obsta o desespero, e permite florescer o amor.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Aviso rápido

Apenas para dizer que o dia hoje está frio e nublado aqui em BH, e que embora para a absoluta maioria da população mundial isso seja um tempo depressivo, para mim é o melhor possível.

Quando o tempo fica frio e nublado, eu fico feliz.

Foto tirada da minha varanda

Limites

Algumas vezes eu só queria me perder de vez. Queria poder largar todos os deveres, todas as formalidades, e seguir meu faro. Queria a liberdade inconsciente dos loucos e dos narcisos.

A palavra dada, o compromisso assumido, as tantas, tantas obrigações. Não de todo desprovidas de afeto e fruição, é fato, mas ainda assim obrigações, limites temporais e espaciais ao desejo e ao gozo.

Talvez já tivesse me esquecido da urgência do desejo. Dessa sensação inquietante de que todos os compromissos são verdadeiros entraves à realização do que realmente se quer. O desejo quer seu objeto agora, ilimitadamente, quer se realizar sem freios. Mas os freios, que angústia, ali estão.

Nem a comunicação improvável, nem uma taça de espumante, nem uma oração são capazes de aplacar a alma. A fome e a sede do desejo só se saciam na vivência, na experiência direta e imediata do Outro. E os limites auto-impostos são, ao mesmo tempo, o que torna esse Outro tão próximo (porque permeia toda a frustração), e tão distante (porque não se pode tocar).

E a semana começa assim, repleta de algo dentro de mim que parece querer explodir.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Delicadeza

Delicadeza é um beijo roubado de leve. É um abrir e fechar de porta. É acordar sem ansiedade, andar sem pressa, parar para um café. E sorrir, porque o dia está lindo, um dia de outono com sol e vento fresco.

Delicadeza é apenas um roçar de mãos. Apenas um olhar. Apenas uma palavra dita com ternura.

É preciso cuidado com as coisas delicadas, cuidado para que não se quebrem, e floresçam. É preciso alguma coisa de silêncio, um bocado de atenção. Mas sempre vale, porque a delicadeza enche a vida de um perfume doce e suave.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Once and always

Um ex-namorado certa vez me disse algo que eu nunca esqueci: quando a gente ama alguém uma vez, nunca mais deixa de amar.

É claro que isso foi dito por alguém no auge dos 17 anos, e as implicações dessa frase incluíam o fato de que ele tinha me chifrado com uma ex (e só fiquei sabendo depois). Mas, tirando do contexto, devo dizer que hoje concordo com ele.

O desejo não esquece. Ele pode trocar de objeto, lamber as feridas, deixar o tempo passar, mas aquilo que se quis continua ali, vivo. Não estou falando necessariamente de ex-namorados: existem pessoas que nunca foram namorados, mas foram objeto do desejo, e existem namorados que não são objetos do desejo - esses, a gente acaba esquecendo.

Penso no desejo - ou no coração, para quem prefere uma imagem mais romântica - como um velho tronco de árvore onde vamos gravando nomes com um estilete. As inscrições superficiais, aquelas que não passam da casca, somem com o tempo e as intempéries. Mas as marcas profundas, que atingem o lenho, que derramam seiva ao serem feitas, essas permanecem ali até o fim. Verdadeiras cicatrizes.

Cada pessoa que amamos passa a ser parte do que somos. Sou o que sou, hoje, porque amei as pessoas que amei. Cada uma delas deixou sua marca indelével, o que significa que, a cada vez que amo novamente, revivo tudo o que aconteceu antes.

Contardo Calligaris diz que, no fundo, estamos sempre reencenando o amor primeiro, o amor da mãe, ou até mesmo um amor anterior a ele. Pode ser, e isso só corrobora a idéia de que não há como apagar o desejo. Ele se perpetua e se renova, mas as marcas permanecem.

domingo, 4 de maio de 2008

Como Amélie

Post Secret de hoje.

Algumas vezes ainda me surpreendo comigo mesma. E o melhor é que as surpresas são muitas vezes boas...



sábado, 3 de maio de 2008

Declaração de amor

Existem afetos que interferem profundamente naquilo que somos. Meu avô é um, para mim.

Vovô é quase um menino na sua forma de amar. Ele ama perdidamente, e se doa por inteiro. Gosta de brincar, tem uma gargalhada gostosa, e uma paciência imensa para ensinar a uma menina de cinco anos a diferença entre um bem-te-vi e um sabiá.

Ele não é fácil: é impulsivo, explode violentamente de vez em quando (já me deu um beliscão que ficou roxo, quando eu tinha uns 12 anos), é ansioso e inconveniente. E, com tudo isso, é um homem formidável.

Não que isso seja corujice, ou melhor, é claro que é. É meu vô, e sou perdidamente apaixonada por ele. Mas não é só isso. Ele cativa a todos, vizinhos, porteiros, faxineiros, todas as pessoas que o rodeiam acabam sendo tocadas por essa onda de afeto e efusividade que emana dele.

E ainda que ele seja chato, é impossível sentir raiva de verdade de alguém que é tão intenso em tudo que faz. Depois de 48 anos de casado, ele ainda sente ciúmes da minha avó, e compra flores para ela. Aos 74 anos de idade, decidiu aprender a tocar teclado - e, embora não seja um talento, conseguiu. Aos 75, decidiu que ia comprar um computador, e aprender a mexer, e já está até se entendendo com o Google.

Essa capacidade de continuar vivendo, continuar encontrando motivos para querer viver, continuar achando que vale a pena aprender e se aperfeiçoar, é o meu avô, e é o que me faz admirá-lo tanto.

Tudo só pra dizer que ele ainda está internado, depois de uma trombose arterial na perna esquerda (mas já está bem melhor, deve ter alta na segunda), e que toda vez que ele nos dá esses sustos, eu começo a pensar em como vou sentir falta quando ele se for.